José Sócrates e Carlos Santos Silva conjugavam esforços para não deixar rasto das passagens de dinheiro nas contas bancárias. Mas houve pelo menos uma exceção: em Setembro de 2010 entrou na conta de Sócrates da Caixa Geral de Depósitos uma quantia de 7500 euros proveniente de uma das contas do BES de Santos Silva, conta essa que, meses mais tarde, viria a albergar parte dos 23 milhões de euros repatriados da Suíça. À data, José Sócrates ainda era primeiro-ministro. De acordo com informações recolhidas pela VISÃO, nem o empresário nem Sócrates terão esclarecido, nos dois interrogatórios a que foram sujeitos, a razão que terá motivado aquela transferência num momento em que o ex-dirigente socialista exercia um dos mais altos cargos da nação, declarando exclusivamente os salários de primeiro-ministro.
Sócrates, aliás, terá tido sempre pouco mais a acrescentar à história de que eram empréstimos de um amigo de há 40 anos: “Não lhe conto o dinheiro”, disse no segundo interrogatório. Além disso, o que disse sempre publicamente foi que tencionava pagar esses empréstimos, embora nunca tenha explicado como conseguiria saldar tão elevados montantes-
A transferência de 7500 euros junta-se a 60 mil euros pagos a Sofia Fava, ex-mulher de José Sócrates, às férias de fim-de-ano em Veneza e outras no Pine Cliffs Resort, em Albufeira (que também foi alvo de buscas na Operação Marquês) e ainda aos pagamentos a Sandra Santos, uma das misteriosas mulheres da vida de Sócrates que nos telefonemas entre amigos era tratada como “o senhor S”. Tudo isto a cargo do dinheiro depositado nas contas de Santos Silva. E sempre dentro do período em que Sócrates foi primeiro-ministro.
O único argumento do empresário e do ex-dirigente socialista tem sido este: a amizade não tem limites. Mas essa tese ainda não convenceu nenhum dos magistrados que teve contacto com o processo, nos muitos recursos apresentados pela defesa de Sócrates. Havendo mesmo quem, como os juízes desembargadores Fernando Estrela e Guilherme Castanheira, classifiquem o argumento como demasiado ingénuo, à luz das experiências do cidadão comum, tal como descredibilizar a conduta seria de uma “indesculpável ingenuidade”.
A dupla Paulo Silva, inspetor da Autoridade Tributária, e Rosário Teixeira, procurador do Ministério Público, terá começado por estranhar a relação de “domínio” que viam José Sócrates exercer sobre Carlos Silva ao telefone, nas conversas intercetadas ao empresário que já estava sob escuta na Operação Marquês. Em 2013, quando surge um alerta de branqueamento de capitais e nasce o processo Marquês, os investigadores percebem estar na hora de transformar José Sócrates no próximo alvo de escuras. Estávamos em Setembro de 2013.
Sócrates constataria com frequência não ter saldo suficiente na conta bancária para fazer face às suas despesas. Nesses momentos, ao que a VISÃO apurou, recorreria sempre a uma de três estratégias: ligava a Santos Silva; pedia à mãe, Maria Adelaide, para transferir dinheiro (proveniente da venda das casas a Santos Silva) para a sua conta; ou pedia empréstimos bancários por prazos reduzidos. Semana sim, semana não, o ex-primeiro-ministro via-se confrontado com a realidade: o dinheiro “legítimo” que chegava à sua conta, por via do seu contrato enquanto representante da multinacional farmacêutica Octapharma, embora fosse mais do dobro do que receberia enquanto primeiro-ministro (12500 euros mensais) era insuficiente para pagar os arranjos do Mercedes, comprar um computador Macintosh, fazer face aos encargos com o filho, para pagar o IMI, os almoços e jantares no Gatoppardo e em outros restaurantes de hotéis, e ainda para acudir às urgências financeiras de Sofia Fava, sua ex-mulher, de amigos como Luís, de amigas como Célia, Lígia e Sandra, e até da própria mãe.
É que apesar do abastado património que Sócrates publicamente imputava à mãe, os investigadores suspeitam, através do cruzamento de conversas telefónicas e de vigilâncias, que Sócrates terá sido também chamado a providenciar dinheiro em notas para a progenitora, que depois ficaria guardado num cofre. A certa altura terá havido mesmo a suspeita de que mil euros – de 5 mil alegadamente entregues por João Perna – teriam sido furtados dentro do apartamento.