GALERIA DE FOTOS – Os congressos anteriores no Coliseu dos Recreios
Em cada partido há um lado A e um lado B, inseparáveis, como nas velhinhas cassetes ou discos de vinil. Um oficial e conhecido e um oficioso, mais obscuro. No PSD, há o lado de Pedro Passos Coelho, Marco António Costa, Luís Montenegro ou Carlos Carreiras e o lado de Manuela Ferreira Leite, Rui Rio, Pacheco Pereira ou António Capucho. Perdão, António Capucho não, que foi expulso do partido dez dias antes do congresso que há de reunir, entre 21 e 23 de fevereiro, debaixo da cúpula de ferro do Coliseu dos Recreios, trazida da Alemanha no século XIX, (quase) todos os lados e nuances do PSD. Sem guerras. Numa paz podre nome dado pelos políticos àquele período em que, estando instalados no poder, neste caso no Governo e na Presidência, os partidos calam os críticos internos.
Não se espera um congresso difícil para Pedro Passos Coelho. Será talvez a mesma espécie de “missa” que Durão Barroso ouviu naquela sala de espetáculos, em 2002, poucos meses depois de ganhar as legislativas.
Na altura, a sua moção Em nome do futuro foi aprovada sem um único voto contra, depois de terem sido retiradas as outras 18, num unanimismo estranho ao partido.
Dias Loureiro, Nuno Morais Sarmento, Manuela Ferreira Leite, Marques Mendes, Pedro Santana Lopes, Rui Rio, Marco António Costa e António Preto foram as estrelas do conclave que elogiou o parceiro de coligação (CDS) e disparou contra um inimigo interno, de seu nome Marcelo Rebelo de Sousa. Durão chamou-lhe “mandarim de opinião” e “profeta da desgraça” e Manuela queixou-se da dor de ser criticado “pelos nossos companheiros”.
A estratégia para Belém Doze anos depois, Marcelo pode voltar a ser um dos temas centrais, no Coliseu, mesmo que ausente. Sem grandes mudanças previstas a nível da direção e arrumada que está a estratégia da coligação PSD/CDS para as europeias, resta ao partido galvanizar-se para dar início à campanha e preparar o caminho das presidenciais. E não falta, mesmo entre os apoiantes do primeiro-ministro, como Carlos Carreiras ou Luís Menezes, quem veja no comentador da TVI o melhor candidato para o partido, ao contrário do que defende Passos.
“O momento em que esse assunto [Belém] for discutido pode ser interessante, mas não vai passar para o exterior a ideia de grande dissonância”, diz à VISÃO um dirigente nacional.
“O mais certo é o primeiro-ministro aproveitar este momento para falar ao País.” Confiante em que o conclave será pacífico, a direção do PSD espera algumas intervenções críticas de sociais-democratas mais ou menos conceituados. Trata-se de Nuno Morais Sarmento (ex-ministro da Presidência), Fernando Costa (ex-autarca de Caldas da Rainha) e Pedro Rodrigues (ex-líder da JSD). “O resto da malta vai estar a comentar o congresso na televisão”, ironiza a fonte da VISÃO.
“Sim, vou ao congresso, mas não sei ainda se intervirei”, diz Nuno Morais Sarmento que, em novembro, apoiou Pedro Rodrigues na sua campanha alternativa para liderar o PSD/Lisboa, contra Miguel Pinto Luz, candidato da ala oficial e vencedor.
O certo é que, em sete meses, e apesar do desaire nas eleições autárquicas, Pedro Passos Coelho passou de líder contestado a primeiro-ministro de pleno direito e já poucos duvidam, no interior do PSD, que ele cumprirá todo o seu mandato. “Algum partido questiona o líder, quando ele tem as responsabilidades governativas de primeiro-ministro?”, pergunta Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais.
Para este autarca, muito próximo de Passos Coelho, o líder do PSD é um “homem resiliente” e isso explica como conseguiu manter-se à tona da água. “Ele é muito teimoso, não é só resiliente”, acrescenta outro dirigente. “Passos Coelho veio a revelar-se um ótimo jogador de xadrez, na cena interna. Ele é permanentemente subestimado, mas como político é bem melhor do que se pensa. Foi o primeiro líder do PSD a encostar Paulo Portas. Colou-o aos assuntos da troika e pô-lo a fazer política interna, no Executivo”, analisa um social-democrata que já fez parte da entourage do atual líder.
A tática da OPA amigável Há muitas teorias sobre como Pedro Passos Coelho conseguiu neutralizar os críticos internos que o davam como politicamente morto, antes do verão, e que apostavam em eleições legislativas antecipadas, em 2014.
“Neste momento, vive-se um ambiente razoável. A crise do verão foi brutal, mas ninguém duvida de que está completamente ultrapassada. As mexidas no Governo foram positivas e começa a haver bons indicadores económicos”, explica um membro da comissão política.
Na visão de um antigo dirigente, uma coisa que está a beneficiar o clima interno é saber-se que, no Executivo, “a coligação deixou de ser um problema”. Além disso, “o eleitor, que agora tem um nível de sofrimento menor, compreende que isto tinha de ser feito e que este primeiro-ministro teve a coragem de o fazer, rompendo com o facilitismo. Há uma enorme fatia de eleitores que não foi devorada pelas medidas tomadas pelo Governo”.
Uma OPA amigável aos amigos dos seus inimigos, é assim que o antigo apoiante de Passos já citado pela VISÃO descreve o segredo do seu sucesso. “Basta olhar para a composição do Governo para perceber como é que o primeiro-ministro foi capaz de anular o circuito de críticos na praça pública.” Marques Guedes, Poiares Maduro, Pedro Rodrigues, Leitão Amaro, Castro Almeida, Paulo Rangel, Miguel Morgado são alguns exemplos de nomes que outrora estiveram ligados ao lado B do PSD. “Passos seguiu aquela regra que diz: “Mantém os teus amigos perto e os amigos dos teus inimigos [neste caso] ainda mais perto.” É caso para dizer que as notícias da sua morte eram manifestamente exageradas.
No PSD, ninguém se perde “Num tempo destes, em que o Governo é liderado pelo partido e o poder está distribuído, é normal que esteja tudo mais ou menos pacificado”, resume Luís Rodrigues, ex-líder do PSD/Setúbal. Rodrigues nunca esteve de “corpo e alma” com o lado A do partido e assume que aproveitará a ocasião, no conlave, para apresentar uma lista não-alinhada ao Conselho Nacional, o órgão mais importante entre congressos.
Mas, em jeito de conclusão, é Telmo Faria, ex-presidente da Câmara de Óbidos, quem melhor explica a relação que o PSD tem com os seus líderes. “O PSD é uma grande família que está sempre a desdobrar-se em grupos. Não se trata de uma corrente neoliberal vs. uma corrente social-democrata.
É conjuntural. Agora estamos unidos à volta de uma liderança, mas quando ela perder energia, a busca por outro líder vai obrigar a um novo reagrupamento. E ninguém se perde.
Quase não há vazios.” É assim que Marques Guedes passa de secretário-geral de Ferreira Leite a ministro de Passos Coelho, em dois anos. E que Aguiar Branco passa de seu adversário interno a membro do seu Governo, em 13 meses. E que Paulo Rangel se dispõe a esquecer a disputa de março de 2010, para ser um dos nomes principais da lista de Passos ao Conselho Nacional, três semanas depois.
A história do PSD, como a dos outros partidos, faz-se de mudanças de lado. E de imprevistos.