No dia 27 de janeiro, o ex-diretor do SIED, Jorge Silva Carvalho, disse ao Diário de Notícias que a lista de contactos que guardava nos seus telemóveis continha apenas números de telefone e referências profissionais. Nada mais. O ex-espião desmentia desta forma a notícia avançada em primeira-mão pela VISÃO, na quinta-feira anterior. A reação foi tornada pública horas depois de Silva Carvalho decidir abandonar o cargo de administrador do grupo Ongoing, justificando que estava a ser alvo de uma campanha difamatória. Recentemente, a procuradora Teresa Almeida, do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa confirmou a existência dessa base de dados, considerando-a potencialmente lesiva do bom nome de dezenas de figuras políticas e outras personalidades.
Os técnicos que analisaram os gadgets de Silva Carvalho – iPad, computadores, telemóveis, pens – constataram a existência de informação detalhada sobre as convicções político-partidárias, e a vida privada de várias pessoas, como matrículas de carros, casos amorosos e, ainda, as supostas preferências sexuais. Perante a gravidade da informação, o DIAP avaliou a possibilidade de acrescentar à acusação o crime de devassa por meio de informática. Um delito que prevê pena de prisão até dois anos de quem criar ficheiros com dados individuais referentes a convicções políticas, religiosas, partidárias ou sobre a vida privada. A intenção inicial dos magistrados não se concretizou, porque existe um outro artigo, na lei de proteção de dados, que possibilita o tratamento de informação com estas características, desde que efetuado por uma só pessoa, num contexto doméstico.
Poderoso e bem informado
Ao longo da carreira como espião e dirigente nos serviços secretos, Silva Carvalho reuniu cerca de 4 mil contactos, nos seus telemóveis – a maioria desses ficheiros continha anotações especiais.
O Ministério Público concluiu que o arguido gostava de exibir essa lista perante amigos e colegas, reforçando, assim, o perfil de homem poderoso e detentor de informação relevante, tal como a VISÃO noticiou em janeiro.
A procuradora Teresa Almeida entendeu que seria arriscado avançar com a acusação de crime de devassa por meio de informática, pois a fronteira entre os usos pessoal e profissional da lista de contactos era demasiado ténue – o que poderia enfraquecer o processo. Outro fator que pesou no recuo da magistrada foi a consequência que a publicidade ao ficheiro de contactos poderia ter para dezenas de personalidades alvo dos comentários indiscretos, ou mesmo difamatórios, nos ficheiros de Silva Carvalho.
A magistrada optou por promover a destruição desses ficheiros, o que só deverá acontecer quando o processo chegar às mãos de um juiz, e isto se, entretanto, ninguém se opuser a essa decisão.
O ex-diretor do SIED está acusado de cinco crimes, entres os quais corrupção e violação de segredo de Estado. O patrão do grupo Ongoing, Nuno Vasconcellos, responde pelo crime de corrupção passiva, enquanto João Luís, ex-espião, foi pronunciado por abuso de poder, acesso ilegítimo agravado e acesso indevido a dados pessoais.