“Ou eu ou o caos ultraliberal”, poderia ter escrito José Sócrates no manifesto eleitoral socialista. “Ou eu ou o caos estatista e despesista”, poderia ter acrescentado Pedro Passos Coelho ao programa de Governo social-democrata. Não há memória de os dois maiores partidos – que não estão nos antípodas ideológicos – se apresentarem a eleições com dois enunciados programáticos e visões da realidade tão diferentes. E, sobretudo, com um cutelo tão catastrofista em relação ao adversário.
Percorrer as 67 páginas do manifesto do PS funciona como um GPS que vai indicando as agruras que Sócrates teve de enfrentar para manter o País à tona e vai sinalizando as malfeitorias que o PSD pretende fazer na Saúde, Educação, Emprego ou Segurança Social. Ideias e medidas novas para o futuro há poucas – a primeira só aparece lá para o meio do documento… – mas o líder socialista apresenta-se como o férreo guardião de um Estado Social ameaçado e com certidão de óbito à vista. Ver-se-á, no domingo, se chega.
Já no programa do PSD, Passos Coelho emerge quase como o eleito providencial que vai libertar Portugal de uma governação incompetente e de um Estado-eucalipto que seca qualquer desenvolvimento ou piparote na economia. Apesar de ideologicamente menos afoito do que o projeto de revisão constitucional ou da chuva de grupos de reflexão “laranja” que foram debitando opiniões, o manifesto mantém bem vivo um cunho liberal – das 130 páginas ressaltam as privatizações na Saúde e na Educação e uma dieta-choque para a máquina estatal.
Os social-democratas admitem abertamente ao que vão e o que querem fazer. Os socialistas limitam-se a enfatizar o que não vão fazer. O texto “rosa” compromete-se com pouco, com a mesma segurança de quem vai a 60km/h numa autoestrada. O do PSD aventura-se a mexidas de alto a baixo e roça a redline – ou “muito além do memorando da troika”, como se assume no documento. Já de ajuda externa fala-se pouco ou nada no manifesto socialista – no qual a regionalização é dada como uma prioridade.
SAÚDE
PS – Prioridade à continuação da reforma dos cuidados de saúde primários
PSD – Concessão ao setor privado e social de serviços parciais ou de unidades pertencentes ao Serviço Nacional de Saúde
EDUCAÇÃO
PS – Concretização do 12.º ano como patamar de escolaridade obrigatória
PSD – Liberdade de escolha para as famílias em relação à oferta disponível, independentemente da natureza pública ou privada do estabelecimento de ensino
BENEFÍCIOS SOCIAIS
PS – Apoio às famílias por via da conclusão do Programa de Apoio à Rede de Equipamentos Sociais, como creches, lares de terceira idade e apoio domiciliário
PSD – Programa de Emergência Social: agrupa o Estado, autarquias e, sobretudo, misericórdias e outras entidades da sociedade civil. Destina-se a crianças, idosos e a desempregados e visa desde a entrega de medicamentos, alimentação ou roupa até ao uso de equipamentos como creches ou centros de dia
ECONOMIA
PS – Reforçar a especialização em áreas como a florestal, agroalimentar, do mar e do turismo e pôr as exportações a representar 40% do PIB
PSD – Diminuir a Taxa Social Única até 4% para reduzir custos do trabalho de empresas exportadoras e de bens transacionáveis
EMPREGO
PS – Prosseguir os programas INOV e lançar um programa de Estágios que envolva, anualmente, 50 mil jovens, abrangidos por sistemas de proteção social, e beneficiando as áreas da inovação, PME, ou Reabilitação Urbana
PSD – Apostar na existência de um só tipo de contrato, de maneira a acabar com os contratos a termo, mas alargando o prazo do período experimental para o recrutamento inicial
JUSTIÇA
PS – Novos serviços de arbitragem, em áreas como as da cobrança de dívidas e dos conflitos fiscais
PSD – Juízes avaliados pela qualidade técnico-jurídica das decisões e em função da produtividade. A formação de magistrados passa a incluir noções de economia e gestão de empresas
IMPOSTOS
PS – Criação de uma nova taxa autónoma de 21,5%, em sede de IRS, para os rendimentos de arrendamentos, equiparando-os ao tratamento fiscal dos rendimentos de um depósito bancário
PSD – Reestruturação do IVA e simplificação dos escalões de IRS
PRIVATIZAÇÕES
PS – Vender os CTT, a TAP, a CP Carga, os Estaleiros de Viana do Castelo e a EMEF
PSD – Alienar, no curto prazo, a TAP, ANA e CP Carga e, depois, a Refer, CP, Metro de Lisboa e Porto, um canal da RTP e a Agência Lusa; fim das golden-shares na Galp, EDP e PT
INVESTIMENTO PÚBLICO
PS – Desenvolvimento dos portos e sua inserção nas cadeias logísticas internacionais
PSD – Suspender todas as grandes obras públicas e apostar nos investimentos de proximidade
MÁQUINA DO ESTADO
PS – Acabar com mil cargos dirigentes, no Estado, e proceder à fusão ou extinção de mais de 60 organismos e serviços da Administração central
PSD – Reduzir em 50%, ao longo da legislatura, o número de organismos na esfera da Administração Pública, que deverá passar a admitir apenas um funcionário por cada cinco que saiam