Estão a decorrer este fim de semana as eleições regionais da Rússia, que se estendem aos territórios ocupados na Ucrânia. Para tentar legitimar a votação, foram convidados vários “observadores” internacionais. Entre eles, encontra-se um membro destacado do PCP, Manuel Pires da Rocha, da Comissão Concelhia de Coimbra do partido, da Assembleia Municipal de Coimbra e da direção do Sindicato dos Professores da Região Centro.
O deputado municipal esteve em “vários locais” da província de Donetsk e, tal como os outros observadores citados, não viu qualquer irregularidade.
As declarações dos observadores estão a ser usadas pela propaganda russa. O jornal russo Komsomolskaya Pravda citou Manuel Pires da Rocha escolhendo para título “Um importante momento histórico” e destacando que o português notou “o elevado nível de organização”. “‘Visitámos muitos lugares, vimos muitas pessoas. Se eu pudesse descrever numa palavra tudo o que está a acontecer, escolheria a palavra ‘Esperança’. Ela, como o sangue, é importante. Este também é o momento histórico mais importante em que estamos, espero muito que a vida volte ao normal. Democracia é quando as pessoas têm o seu futuro nas mãos – observei e vi isso durante as eleições’, enfatizou Manuel Pires da Rocha.” O artigo é acompanhado de uma foto do deputado municipal por Coimbra.
Os outros observadores seguem a mesma linha. O sérvio Srdjan Perisic diz que estas eleições “confirmam o resultado do referendo” (os referendos ilegais conduzidos em setembro do ano passado, que levaram à “anexação” dos territórios ocupados por parte da Rússia). O indonésio Fauzan Al Rashid agradeceu o convite e descreveu um ambiente “pacífico”, não tendo descortinado qualquer irregularidade. Nathalie Yamb, dos Camarões, declarou que “a inclusão e a transparência das eleições na Rússia são uma garantia da sua legitimidade e estabilidade social e, consequentemente, da prosperidade.”
Houve pelo menos mais um jornal russo, o DNR-News, da “República Popular de Donetsk”, a publicar um artigo com declarações do observador português. “Outro especialista de Portugal, Manuel Vaz Pires de Rocha [sic], destacou que os eventos estão de acordo com todos os padrões internacionais. ‘Não notámos nenhuma violação e as pessoas vieram aqui livremente, sem coação. As eleições dão uma sensação de liberdade e vimos essa sensação aqui’, afirmou. Manuel acrescentou que viu esperança nos olhos dos residentes de Donetsk. Os moradores do Donbass, segundo o português, vivem um acontecimento verdadeiramente histórico.”
O artigo acrescenta uma crítica de Manuel Pires da Rocha à comunicação social ocidental, acusando-o de mentir sobre a Rússia. “O especialista internacional admitiu também que no caminho para a República sabia pouco sobre o que aqui se passava, mas ao chegar convenceu-se de que ‘contar mentiras sobre a Rússia’ é a principal ferramenta dos meios de comunicação ocidentais. ‘Não estamos aqui para apoiar nada, mas para monitorizar. A Rússia não nos obrigou a vir dizer algo diferente’, esclareceu Manuel Vaz Pires de Rocha.” Este jornal publica ainda um vídeo de uma entrevista com o deputado municipal de Coimbra, em que ele elogia o “sentimento de liberdade” que diz ter testemunhado.
Não é a primeira vez que o deputado municipal se vê envolvido em polémicas com a Guerra na Ucrânia. Em maio, foi criticado por ter participado nas comemorações russas do Dia da Vitória, em Lisboa, organizadas pela associação Iuri Gagarine.
Manuel Pires da Rocha nasceu em Coimbra em 1962 e é professor de violino. Ex-diretor do Conservatório de Música de Coimbra e de Loulé, diplomou-se em violino na União Soviética (no Instituto Gnessin, em Moscovo, em 1988). É também músico da Brigada Victor Jara.
A VISÃO tentou contactar Manuel Pires da Rocha, mas até ao momento ainda não conseguiu obter declarações.