Desengane-se quem estiver à espera de um simples concerto. Música, teatro e vídeo serão servidos em doses semelhantes e igualmente poderosas, tendo por base Riot Days, o livro que Maria (mais conhecida por Masha) Alekhina, uma das porta-vozes das Pussy Riot, escreveu em 2018, contando a sua história. Desde a primeira ação, em 2012, quando o coletivo invadiu a Catedral de Cristo Salvador, em Moscovo e apresentou Punk Prayer, a canção de denúncia das ligações entre o regime de Vladimir Putin e a Igreja Ortodoxa Russa, até ao último dia que passou na prisão. “Ao contarmos estes episódios, estamos a mostrar o que está a acontecer no nosso país com todos aqueles que estão contra Putin”, explicou Masha, na conferência de imprensa dada na Casa da Música, esta manhã, uns dias antes do concerto incluído na digressão europeia. “Isto não é um documentário, é um manifesto, um apelo à ação internacional. Acreditamos que todos os gestos são importantes. Queremos que as pessoas se levantem e protestem.”
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A liberdade de opinião do coletivo de ativistas e artistas, com pose de pop stars, é bem visível numa conferência de imprensa em que os diferentes membros e o produtor do espetáculo, Alexander (Sasha) Cheparukhin, assumem à vez a palavra e até discordam entre si. Aconteceu quando Masha disse não acreditar na eficácia de um acordo entre Vladimir Putin e Volodomir Zelenski, defendendo que “a única maneira de o travar é fazer com que a Ucrânia ganhe esta guerra… as forças russas só entendem a linguagem da força, não entendem a diplomacia”. De seguida, Sasha questionou este discurso: “não sabemos se o uso da força nos garantirá bons resultados”. Mas quis deixar bem clara a mensagem de que “Putin passou de um ditador calculista a um verdadeiro psicopata… às vezes parece que o mundo ocidental não quer ouvir ou não entende a ameaça”.
Há uma medida em que são unânimes: o embargo total ao gás e ao petróleo russo, cujas receitas sustentam o regime. “No Parlamento Europeu ainda se fala sobre como evitar sanções à Rússia… penso que continuam a dar prioridade aos negócios, e não às vidas humanas”, acusa Olga Borisova, editora criativa do livro Riot Days, que participou em vários protestos e integra, pela primeira vez, o espetáculo das Pussy Riot. Outro pedido chega de Diana Barkof, uma das cofundadoras do coletivo: “Todos podem influenciar os seus governos para que deixem de ser hipócritas.”
O apertar do cerco
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Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, a repressão sobre os opositores do regime tem escalado. A aprovação pelo Parlamento russo de nova legislação impede qualquer tipo de protesto. Não se pode falar de uma guerra, apenas de uma operação militar especial. Não se podem publicar imagens do conflito nas redes sociais. Não se pode divulgar reportagens dos média ocidentais. Contrariar estas proibições poderia implicar uma pena de prisão de vários anos. “Todos aqueles que não concordam com eles são apelidados de nazis. Dizer que não temos liberdade de expressão no nosso país é pouco, porque as pessoas estão a ser presas”, acusa Masha. No último ano, foi detida seis vezes. Aliás, a ativista estava em prisão domiciliária em Moscovo e, quando viu a pena ser revertida para 21 dias numa colónia penal, decidiu protagonizar uma fuga aparatosa, há mês e meio, para poder integrar a digressão europeia. Vestida de estafeta de entregas de comida, conseguiu contornar a constante vigilância à porta de sua casa. O regresso à Rússia será, agora, improvável.
Apesar das ameaças do regime russo já terem atravessado fronteiras, noutras ocasiões, o coletivo diz não temer pela sua segurança. “Não se devem preocupar connosco, este é o momento para pensarem no povo ucraniano e em quem está detido na Rússia, eles sim é que estão em perigo”, sustentam. Ao contrário do que muitos pensam no Ocidente, “não há o apoio popular às políticas de Putin”, defende Alexander Cheparukhin, dando o exemplo de uma sondagem recente. “Fizeram-se 36 mil chamadas aleatórias e apenas 400 pessoas aceitaram responder à pergunta se apoiavam a guerra.” Apesar dos perigos, dizem, os russos continuam a protestar. O que fará o resto da Europa?