Mikhail Fridman, 58 anos, é um dos homens mais ricos do mundo. Rosto de um império que se move em várias frentes, do petróleo, ao gás, à banca, às telecomunicações, ao comércio e ao retalho, Fridman está radicado na Rússia, para onde foi estudar. Mas as suas origens estão na Ucrânia – nasceu na cidade de Lviv, no seio de uma família judia. E, perante a invasão russa à Ucrânia, a terra natal começa a falar mais alto. Foi o primeiro oligarca russo (grupo de multimilionários que beneficia de relações negociais especiais com o estado) a atirar uma pedra a Putin, mas não foi o último. Embora a maioria dos russos que sustentam o Kremlin aborde o assunto com timidez e evitando referir-se diretamente ao presidente, os pedidos para que seja colocado um ponto final no conflito crescem entre os “poderosos” da Rússia.
“Os meus pais são cidadãos ucranianos e vivem em Lviv, a minha cidade favorita. Mas também passei grande parte da minha vida como cidadão da Rússia, a construir e a desenvolver negócios. Estou profundamente ligado aos povos ucraniano e russo e vejo o atual conflito como uma tragédia para ambos”, escreveu o empresário, numa carta dirigida aos seus trabalhadores do fundo LetterOne, no domingo, citada pelo Financial Times. “Esta crise vai custar vidas e prejudicar duas nações que são irmãs há centenas de anos. Embora uma solução pareça assustadoramente distante, só me posso juntar àqueles cujo desejo fervoroso é que o derrame de sangue termine”, continuou o presidente Alfa Group, que através do LetterOne detém quase seis mil lojas em Portugal, Espanha, Argentina e no Brasil. Mikhail Fridman é um dos empresários sancionados por Bruxelas, por ser fundador e detentor de um dos maiores bancos privados russos, o Alfa Bank. Ao todo, de acordo com a Forbes, o seu património está avaliado em 12,8 mil milhões de dólares (11,5 mil milhões de euros).
O russo Oleg Deripaska, 54 anos, um multimilionário com uma fortuna avaliada em 3,1 milhões de dólares (2,79 mil milhões de euros) que se dedica ao negócio do alumínio e que chegou a ser o homem mais rico do país, antes de 2008, seguiu-lhe os passos e, na rede social Telegram, defendeu que a “paz deve ser a prioridade” e que “as negociações têm de começar o mais depressa possível”. Tendo ainda chamado a atenção, ao longo dos últimos dias, para o rombo económico que já se sente no país. Desde segunda-feira que o rublo desvalorizou para um mínimo histórico, subiram os juros e a bolsa de Moscovo esteve fechada vários dias. Apesar da exclusão dos bancos russos do sistema de comunicação SWIFT ter sido uma forte machadada no sistema financeiro do país, o congelamento das reservas internacionais de Moscovo revelou-se ainda pior; pois o banco central russo terá acumulado 630 mil milhões de dólares em reservas (cerca de 40% da economia russa), que estão de momento inalcançáveis.
O ocidente condenou os oligarcas russos a um prejuízo que está por calcular, mas uma coisa é certa: as mansões e os iates no estrangeiro estão congeladas, tal como as vagas em escolas europeias de elite para os filhos destes multimilionários. O presidente norte-americano prometeu mesmo, durante o seu discurso anual do Estado da Nação, que irá atrás dos lucros indevidos, como quem diz das contas offshore.
Ainda é cedo, mas já se nota que as sanções não foram em vão e que atingiram os homens que sustentam Putin. “São passos muito cautelosos, no entanto, vê-se que eles [os oligarcas] já estão a pensar no futuro e a tentar salvar o que puderem”, analisa Elisabeth Schimpfössl, autora do livro “Russos Ricos”, em declarações à agência Associated Press.
As palavras têm sido escolhidas cuidadosamente para não entrar em guerra aberta com Putin – até porque paira o fantasma de exemplos de opositores do presidente anteriores; o oligarca Anatoly Chubais publicou recentemente uma foto de Boris Nemtsov, um opositor morto a tiro perto do Kremlin, em 2015, imagem que tem sido lida como um aviso – e, por isso, as criticas são todas centradas no conflito e não mencionam o nome do presidente sequer. “Pessoas inocentes estão a morrer na Ucrânia agora, todos os dias, isso é impensável e inaceitável. […] Os Estados deveriam gastar dinheiro no tratamento de pessoas, em pesquisas para curar o cancro, e não em guerra”: é a posição do banqueiro Oleg Tinkov, fundador do Tinkoff Bank, que tinha uma fortuna avaliada, antes da Guerra da Ucrânia, em cerca de 800 milhões de dólares, pela Forbes. Agora, a mesma fonte já noticiou que as ações da Tinkoff caíram mais de 90%.
Também Alexei Mordashov – que é apresentado como o homem mais rico do país – se mostra particularmente preocupado com as quebra na sua agência de viagens Tui e na maior companhia russa de aço, a Sererstal, indignando-se com as sanções aplicadas pela União Europeia. “Não tenho absolutamente nada a ver com a atual tensão geopolítica e não entendo por que razão a UE me impôs sanções”, defendeu-se, em declarações à agencia de notícias estatal russa, TASS. Todavia, não ficou por aqui: “O que está a acontecer na Ucrânia é uma tragédia entre duas nações irmãs. É terrível que ucranianos e russos estejam a morrer, que haja pessoas a passar por dificuldades e que a economia esteja a entrar em colapso”.
Do Reino Unido e com direito a machetes, o filho do oligarca Alexander Lebedev, um antigo agente da KGB, Evgeny Lebedev portagonizou talvez a crítica mais direta: “Presidente Putin, por favor, pare esta guerra”, pedia, citado pelo jornal britânico Evening Standard, o russo que vive em Londres desde os oito anos, se tornou um magnata da comunicação social e recusa ser apresentado como oligarca.
UE aumenta lista de oligarcas sancionados
“Nos próximo dias ou semanas”, introduziu o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, à saída de mais uma reunião com os seus homólogos europeus, esta sexta-feira, onde ficou decidido que haverá mais oligarcas russos a serem alvo de sanções económicas. A proposta partiu da Polónia e visa atingir pessoas ou empresas ligadas ao regime de Putin, mas ainda não foram divulgados nomes. É de esperar que isto aconteça nas próximas horas.
Cada vez mais cercados pela comunidade internacional, estes oligarcas podem ser a voz de milhares de russos insatisfeitos com a Guerra, sentimento que é reprimido pelo Executivo. Desde o início do conflito, já foram detidas milhares pessoas por se manifestarem publicamente contra a invasão russa à Ucrânia.