A 19 de fevereiro as televisões de todo o mundo mostraram Vladimir Putin e o seu homólogo bielorruso, Alexander Lukashenko, refastelados no Kremlin, enquanto assistiam a manobras militares conjuntas dos dois países, no mar de Barents, no mar Negro e no mar do Norte. Jogos de guerra que serviram, em larga medida, para o Presidente da Rússia recordar aos seus adversários estratégicos que o regime de Moscovo ainda é a maior potência nuclear do globo: 6600 ogivas – os EUA contam com cerca de 5 mil -, quantidade em número suficiente para acabar múltiplas vezes com a vida terrestre e com o planeta.
No final destes simulacros bélicos, o porta-voz do Kremlin, o Dimiti Peskov, no seu habitual tom provocatório, afirmou: “As manobras são completamente transparentes e compreensíveis para os especialistas de outros países. Portanto, não deveriam preocupar ninguém.” Para não existirem quaisquer dúvidas, o próprio diplomata disponibilizou um comunicado oficial em que se falava de exercícios “bem sucedidos” pelas forças estratégicas e “aeroespeciais”, bem como a utilização de “mísseis aerobalísticos hipersónicos”, nomeadamente os Kinzhal e os Sirkon. Convém traduzir: os Kh-47M2 e os 3M22 – na respetiva fórmula castrense – são as principais coqueluches do arsenal russo. Anunciados com pompa e circunstância por Vladimir Putin, a 1 de março de 2018, no seu famoso discurso anual à nação russa – “Somos invencíveis”, gabou-se ele então – estes mísseis podem deslocar-se a mais de 6125 quilómetros por hora, cinco vezes a velocidade do som, daí a designação de hipersónicos.
Não é apenas o facto de percorrerem Moscovo-Washington D.C. em meras duas horas que os torna especiais. Graças às suas sofisticadas características e equipamento, são praticamente indetetáveis aos radares e atuais sistemas anti-mísseis, por voarem a baixa altitude, possuirem elevada manobrabibilidade e descreverem trajetórias altamente imprevisíveis. Que se saiba, só cinco países têm este tipo de armas: Rússia, China, India, Coreia do Norte e Estados Unidos da América. Os russos estão, porém, em clara vantagem por terem sido os primeiros a apostar na produção em série, assim que ficou demonstrada a sua eficácia na fase de testes – concluída no outono de 2021.
Tal como sucedeu em 1957, quando os soviéticos lançaram o primeiro satélite para o espaço, Moscovo está de novo a viver um “momento Sputnik”, por estar a liderar a corrida a estes objetos que, a par dos drones, dos laseres e da inteligência artificial, ameaçam marcar os campos de batalha nas próximas décadas. Em setembro, após a China ter usado um míssil hipersónico para destruir um satélite sem que os EUA dessem por isso, a Casa Branca anunciou um investimento de 3800 milhões de dólares, para recuperar a desvantagem face a Moscovo e Pequim, especificamente nesta área.
Gregory Hayes, o CEO da Raytheon, principal empresa fornecedora do Pentágono, admitiu que o seu país está “vários anos atrasado” e, de forma surpreendente e pública, o vice-amirante Jon Hill, responsável pela Agência de Defesa Anti-Mísseis (MDA), reconheceu exatamente o mesmo. Ou seja, ambos confirmaram algo que Andrei Martyanov, analista militar e antigo oficial da marinha soviética (agora residente nos EUA), anda a dizer desde 2018, quando lançou o livro Perda da Supremacia Militar: a Miopia do Planeamento Estratégico Americano.
No seu entender, o domínio tecnológico dos EUA nas artes da guerra está prestes a passar à história. Os Kinzhal e os Sirkon de Putin podem afundar de forma eficaz e barata a frota de 11 porta-aviões nucleares ao dispor de Joe Biden. Esta quinta-feira, Martyanov já escreveu um sarcástico texto sobre a invasão da Ucrânia. O título dispensa comentários: “Benvindos ao novo mundo”.