Volodymir Zelensky, o antigo humorista, compareceu na madrugada desta quinta-feira perante as câmaras com o objetivo de, enquanto chefe de estado, tentar alterar o rumo da história do seu país e da Europa. Ao contrário do que sucedia nos seus tempos de ator, não teve a mínima chance de ser bem sucedido, apesar da forma convincente como comunicou . Eis o seu discurso, na íntegra:
“Gostaria de me dirigir diretamente aos cidadãos da Rússia, não como presidente, mas como cidadão da Ucrânia, e dirijo-me aos cidadãos da Rússia da mesma forma que o faço aos cidadãos da Ucrânia. Partilhamos uma fronteira de mais de 2000 quilómetros. Os vossos soldados estão aí estacionados, ao longo dessa fronteira, quase duzentos mil soldados e milhares de veículos militares. Os vossos líderes escolheram que eles dessem um passo à frente e entrassem no território de outro país. E esse único passo pode ser o início de uma grande guerra no continente europeu.
O mundo inteiro fala do que poderia acontecer em termos concretos e quotidianos. A causa para a guerra pode surgir a qualquer momento. Qualquer provocação, qualquer incidente, pode ser o clarão de um fogo que queima tudo.
Tem sido dito que esta chama trará libertação ao povo da Ucrânia. Mas o povo ucraniano é livre. Eles conhecem o seu próprio passado e vão construir o seu próprio futuro. Eles constroem, não destroem, como eles mesmos afirmam dia após dia na televisão. A Ucrânia das vossas notícias e a Ucrânia da vida real são dois lugares totalmente diferentes, e a diferença é que o último é real.
Dizem que somos nazis. Mas como é que um povo que perdeu oito milhões de vidas para derrotar os nazis apoia o nazismo? Como é que eu posso ser nazi? Digam isso ao meu avô, que lutou na Segunda Guerra Mundial como soldado soviético de infantaria e morreu como coronel na Ucrânia independente. Dizem que odiamos a cultura russa. Como pode alguém odiar uma cultura? Alguma cultura? Os vizinhos enriquecem sempre as culturas uns dos outros. No entanto, não fazemos parte de um todo. Não nos podem engolir. Nós somos diferentes. Mas essa diferença não é motivo para haver inimizade. Queremos decidir o nosso próprio rumo e a nossa própria história: de forma pacífica, tranquila e honesta.
Disseram que eu ordenaria um ataque ao Donbass, ordenaria tiroteios e bombardeamentos indiscriminados. Isso leva a algumas perguntas – algumas muito simples. Estamos a disparar contra quem? Estamos a bombardear quem? Donetsk, que visitei dezenas de vezes? Onde eu enfrentava as pessoas, olhando-as nos olhos? Na rua Artyoma, onde me cruzei com amigos? A Arena Donbas, onde torci pelos nossos rapazes, a par dos adeptos ucranianos no Campeonato Europeu? Shcherbakov Park, onde bebi com amigos quando nossos rapazes perderam? Luhansk? Onde a mãe do meu melhor amigo está enterrada? Onde o seu pai também descansa? Reparem que estou falando com todos vós, em russo agora, mas ninguém na Rússia sabe o significado destes lugares, destas ruas, destes nomes, destes eventos. Para vós, tudo isto é estranho, desconhecido.
Esta é a nossa terra e esta é a nossa história. Vão lutar pelo quê e contra quem? Muitos de vós visitaram a Ucrânia. Muitos de vós têm parentes aqui. Alguns podem ter estudado em universidades ucranianas e feito amizade com ucranianos. Conhecem o nosso caráter, conhecem o nosso povo, conhecem os nossos princípios. Sabem ao que nós damos valor. Então parem e oiçam-vos, oiçam a voz da razão, a voz do bom senso.
Oiçam-nos. O povo ucraniano quer a paz, tal como o seu governo. Não se limitam a querer, demonstram esse desejo de paz. Fazem tudo o que podem. Não estamos sozinhos: é verdade que a Ucrânia é apoiada por muitas nações. Por quê? Não se trata de paz a qualquer custo. Trata-se de paz e de princípios, de justiça, de direito internacional. Trata-se do direito à autodeterminação, para que cada pessoa possa decidir o seu próprio futuro. É o direito de cada sociedade e de cada pessoa à segurança, a uma vida sem ameaças. Tenho a certeza de que esses direitos também são importantes para todos vós.
A verdade é que isto precisa de acabar antes que seja tarde demais. Se a liderança da Rússia não nos quiser encontrar do outro lado da mesa por causa da paz, talvez ela aceite sentar-se à mesa convosco. Vós, os russos, quereis uma guerra? Eu gostaria muito de saber a resposta, mas essa resposta depende apenas de vós, dos cidadãos da Federação Russa. Obrigado pela vossa atenção.”