Segundo a Agência da ONU para os Refugiados, a situação humanitária no Afeganistão atravessa um momento crítico. O retorno de milhões de refugiados afegãos – provenientes do Irão e Paquistão – aliado à ocorrência de desastres naturais que afetaram a região levaram a um agravamento da fome e da pobreza e ao colapso dos sistemas do país.
“Ao contrário da tendência que marcou as últimas décadas, o conflito já não é o principal fator de deslocação forçada no país, mas sim a pobreza, a fome e as constantes catástrofes naturais. 3,25 milhões de afegãos continuam deslocados dentro do país e mais de 5,5 milhões são refugiados registados ou afegãos em situação de refúgio noutros países da região”, referiu Joana Feliciano, Responsável de Marketing e Comunicação da Portugal com ACNUR.
De acordo com dados da organização, cerca de 2,2 milhões de refugiados afegãos abandonaram o país rumo a destinos como o Irão e o Paquistão. No entanto, as autoridades destes países estimam que este valor seja, na realidade, muito superior, alcançando os 7,7 milhões de afegãos. Ademais, acredita-se que, desde 2021, tenham chegado ao Irão e Paquistão cerca de 1,6 milhões de refugiados.
Apesar destes números, nos últimos meses a realidade dos refugiados afegãos tem-se deteriorado muito levando a que muitos procurassem regressar ao seu país de origem. Fatores como o elevado custo de vida, poucas oportunidades de emprego, reunificação da família e discriminação estão entre os principais motivos que levam os refugiados a retornar ao Afeganistão.
No Paquistão, por exemplo, o governo anunciou, em outubro do ano passado, a intenção de deportar os cidadãos estrangeiros sem documentos que vivessem no país. A medida levou a que mais de 531 mil refugiados do Afeganistão regressassem ao seu país de origem.
Já no Irão, a situação socioeconómica adversa e o aumento dos sentimentos “anti-afegãos” – com o crescimento da retórica xenófoba e de comportamentos discriminatórios – forçaram também o retorno de muitos refugiados.
As catástrofes naturais também estão por detrás das novas deslocações de população. Os terramotos que tiveram lugar no Afeganistão em 2022 e 2023 e as inundações no Paquistão e Irão em 2022 contribuíram para que a população procurasse regressar aos seus territórios de origem. “Só nos últimos 3 meses, várias regiões do Afeganistão viram-se afetadas por cheias repentinas e devastadoras que deixaram um rasto de destruição para trás e várias pessoas foram novamente forçadas a deslocarem-se. A última vaga de cheias ocorreu há precisamente um mês e as necessidades são muitas entre uma população já muito fragilizada”, contextualizou Feliciano.
Está previsto que os movimentos de população se mantenham nos próximos meses e estima-se o regresso de mais de 1,46 milhões de refugiados no Paquistão e do Irão regressem ao Afeganistão em 2024. Números que irão agravar a já existente emergência humanitária no Afeganistão. “Este regresso abrupto de centenas de milhares de afegãos veio agravar substancialmente a crise humanitária no Afeganistão e sobrecarregou ainda mais os sistemas do país e as suas comunidades, que lidavam já com recursos bastante limitados”, explicou Feliciano.
Apesar das agravadas condições humanitárias em que residem, as comunidades afegãs estão a reforçar os seus recursos de forma a acolherem a população retornada do Paquistão e Irão. A situação levou a agência a apelar ao apoio direto das comunidades, tendo em consideração as crises atuais no país. “Sem associar a ajuda humanitária a um apoio sólido a médio e longo prazo por parte da comunidade internacional, as comunidades locais podem ficar sobrecarregadas, o que se traduzirá em mais pobreza, riscos de proteção e novas vagas de deslocações forçadas”, lê-se num comunicado.
Desde janeiro do ano passo que já foi prestada assistência a cerca de 94 mil deslocados através de apoio a “mulheres e raparigas, abrigo, alimentação, água e saneamento básico, artigos de primeira necessidade, assistência em dinheiro, programas baseados na comunidade e apoio psicossocial”, poder ler-se.
Esta crise afeta Portugal?
A crise humanitária no Afeganistão pode eventualmente afetar Portugal de várias formas, mesmo que de forma indireta. Joana Feliciano refere que, em primeiro lugar, “há o potencial aumento da pressão migratória, com mais pessoas refugiadas afegãs a procurarem asilo na Europa, incluindo Portugal. Embora a maioria dos refugiados permaneça nos países vizinhos, a deterioração das condições nesses locais pode forçar mais pessoas a buscar refúgio na Europa ou noutros continentes”.
“Além disso, como membro da União Europeia e da comunidade internacional, Portugal pode ser chamado a contribuir com mais apoio humanitário para ajudar a mitigar a crise. Por fim, a instabilidade contínua no Afeganistão pode impactar a segurança global e consequentemente a União Europeia e por conseguinte Portugal”, conta à VISÃO.
Além disso, Joana Feliciano explica que crises humanitárias desta magnitude “podem ter repercussões significativas na saúde pública e na economia global. A sobrecarga dos sistemas de saúde locais torna difícil acudir todos os que precisam o que pode facilitar a propagação de doenças que, eventualmente, podem chegar a outras regiões. A interrupção das cadeias de abastecimento e o aumento dos preços dos bens essenciais também podem afetar o mercado global, com reflexos em Portugal”.
Assim, a coordenação de uma “resposta unificada e eficaz é crucial para mitigar os impactos desta crise”, alerta.
Como pode ajudar?
Os portugueses podem ajudar a enfrentar a crise humanitária no Afeganistão de várias formas concretas e seguras. Uma das formas mais eficazes é “fazer um donativo para reforçar a assistência humanitária através da Portugal com ACNUR”. Por exemplo, com um donativo de 30€, pode-se fornecer alimentação para uma criança durante um mês; com 50€, é possível adquirir botijas de gás para quatro famílias terem refeições quentes; e com 135€, pode-se garantir um refúgio de emergência para uma família. “Estes donativos são essenciais para que o ACNUR continue a prestar assistência vital aos refugiados e às comunidades afegãs que os acolhem”, diz a representante.
Além de donativos, “é crucial promover a consciencialização sobre a emergência humanitária no Afeganistão, por exemplo, ao partilhar informações, organizar eventos de sensibilização e introduzir o tema junto dos representantes políticos”, refere. “A nível local, os portugueses podem também oferecer apoio direto aos refugiados afegãos que já se encontram em Portugal, através de voluntariado para ajudar na sua integração cultural, ensino da língua ou apoio legal através de Organizações locais que existam na sua comunidade”.