Pelos vistos, só Emmanuel Macron é que tinha dúvidas sobre a força consistente da extrema-direita no país de que é Presidente, de uma forma cada vez mais solitária. Agora, o resultado das legislativas antecipadas, por ele convocadas inopinadamente após serem conhecidas as primeiras projeções das eleições europeias, acaba por confirmar aquilo a que se assistira há apenas uma vintena de dias e até, em certa medida, na primeira volta das presidenciais de 2022: em média, desde há alguns anos, um em cada francês, quando chamado às urnas, deposita o seu voto no partido liderado por Marine Le Pen.
A principal novidade destas eleições é que, pela primeira vez em legislativas, a extrema-direita surgiu destacada na liderança dos votos – repetindo, com 33%, quase a mesma votação das europeias. Face a uns resultados que deixaram a esquerda da Frente Popular em segundo lugar, com 28%, atirando o partido de Macron para o terceiro posto, com 21%, na maior parte dos outros países estaria a discutir-se, neste momento, quais seriam as coligações possíveis para formar governo. Em França, no entanto, as coisas passam-se de maneira diferente: as eleições determinantes vão ser, mais do que nunca, a segunda volta no próximo domingo, 7 de julho, o momento em que se ficará a saber quem, de facto, poderá obter maioria – relativa ou absoluta – na Assembleia Nacional. E, em consequência, ser chamado a formar governo – em coabitação com Macron, que continuará a presidir às reuniões do conselho de ministros, como ditam as regras do sistema presidencialista francês.
A jogada arriscada de Emmanuel Macron vai, por isso, durar mais sete dias. E, com os apelos por parte da esquerda e do partido de Macron para se fazer um bloco conjunto contra a extrema-direita, até há dois cenários possíveis: uma vitória do Rassemblement National ou da nova Frente Popular. E qualquer um deles, até para estimularem o eleitorado, afirma-se esperançoso com a possibilidade de obter uma maioria absoluta.
A grande certeza, para já, é que o Ensemble, partido de Macron e do atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, dificilmente poderá disputar o primeiro lugar. A Macron só lhe resta tentar preservar a face e não ficar na história como o Presidente que, numa decisão extemporânea, abriu as portas do governo à extrema-direita antieuropeísta, racista e xenófoba.
A memória não pode ser curta. Emmanuel Macron foi o homem que, em 2017, com a sua erupção no primeiro plano da política francesa, fez implodir os partidos tradicionais da V República francesa. Foi eleito Presidente com dois terços dos votos e, pouco tempo depois, ganhou uma maioria absoluta mais do que confortável no parlamento. Durante algum tempo, transmitiu a ilusão de uma “grandeza” francesa em que a solenidade inconsequente de outros tempos era substituída por uma energia revigorada, com voz própria na Europa e no mundo.
Em abril de 2022, na noite em que assegurou a reeleição para o Palácio do Eliseu, proferiu um discurso no Champ-de-Mars, junto à torre Eiffel, em que prometeu, como é hábito nesses momentos, que passaria a ser o “Presidente de todos”. Mas também deixou uma mensagem especial a todos os que votaram nele apenas para impedir a eleição de Marine Le Pen. “Muitos votaram em mim, não para apoiar as ideias que defendo, mas para bloquear a extrema direita”, afirmou na altura. “E quero dizer-lhes aqui que estou ciente de que esta votação me vincula por muitos anos. Sou o guardião do seu sentido de dever, do seu apego à República e do respeito pelas diferenças que se manifestaram nas últimas semanas”.
As regras do jogo alteraram-se profundamente. Aconteça o que acontecer na segunda volta do próximo domingo, Emmanuel Macron é já o grande perdedor destas eleições. Não só não foi capaz de cumprir a sua promessa de tentar impedir o crescimento da extrema-direita como pode até, aliás, estar a poucos dias de lhe abrir a porta do poder. Com uma agravante pessoal: embora continue a ser Presidente de França até abril de 2027, sem apoio no parlamento e desacreditado entre os eleitores, Macron arrisca-se a passar os próximos três anos como alguém que, embora no Eliseu, já não tem qualquer poder efetivo nem influência para forçar decisões. E, com isso, ser olhado também com desconfiança – ou uma certa condescendência assassina – nos grandes círculos internacionais. Ou seja: aquilo a que os anglo-saxónicos costumam chamar um “lame duck” – um “pato coxo”, em tradução livre. Uma designação habitualmente atribuída a quem continua a exercer o poder, no período em que o seu sucessor já foi eleito ou escolhido. Como se trata de um francês, até pode ser caso para dizer: é preciso ter galo!