São muitos os protestos contra a guerra entre Israel e o Hamas. Os manifestantes pedem um cessar-fogo, a libertação de reféns e prisioneiros e o fim dos combates em Gaza. Para se fazerem ouvir, marcham por grandes cidades, protestam junto a embaixadas, usam cartazes com mensagens e ostentam o símbolo da melancia. Esta fruta acabou por se tornar um ícone entre os ativistas de todo o mundo que partilham uma mesma causa, e que, mesmo não falando a mesma língua, se fazem entender pela ostentação da melancia.
Este é um exemplo recente de “algospeak”, uma forma linguística que usa outras palavras ou símbolos nas redes sociais para contornar a censura e a repressão. Criada por dissidentes políticos chineses, esta forma de comunicação pretende enganar os algoritmos das redes sociais e outras plataformas online, que muitas vezes bloqueiam certas palavras de modo a travar certas mensagens. A melancia é agora um sinal de apoio à causa palestiniana e um sinal pictórico que procura contornar o algoritmo das redes sociais mas que também está a ser usado em ações de protesto.
A escolha desta fruta não acontece por acaso, uma vez que reúne um conjunto de características que a tornaram no símbolo de solidariedade pelo povo palestiniano. Com polpa vermelha, casca verde com linhas brancas e sementes pretas, tem as mesmas cores que a bandeira da Palestina.
A origem de um símbolo
Terminada a guerra de 1967, o governo israelita reprimiu a exibição da bandeira palestiniana em Gaza e na Cisjordânia. Por isso, uma galeria em Ramallah em que exibia obras de arte de três artistas com as cores da bandeira foi fechada em 1980 por militares. Segundo um dos artistas, Silman Mansour, um oficial israelita disse-lhe que era “proibido organizar uma exposição sem autorização dos militares” além de que era também “proibido pintar com as cores da bandeira palestiniana”. Mansour explica que o mesmo oficial lhe deu o exemplo de uma melancia enquanto imagem que viola as regras do exército. Perante esta revelação, as pessoas começaram a usar a fruta como forma de protesto. Ainda por cima trata-se de um alimento a que tinham facilmente acesso – afinal, alguns pratos populares de Gaza têm-na como ingrediente.
“Há histórias de jovens que andaram pelas ruas com fatias de fruta, arriscando-se a serem presos pelos soldados israelitas. Quando vejo uma melancia, penso no espírito inquebrável do nosso povo”, conta Mahdi Sabbagh, autor palestiniano, à Associated Press.
Os acordos de paz dos anos 1990 deixaram cair por terra a proibição do uso da bandeira da Palestina, o que acalmou o uso do símbolo da melancia. Contudo, há um ano voltou, quando o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, tornou a proibir o uso da bandeira palestiniana em locais públicos. Em resposta, grupos ativistas começaram a colar autocolantes por vários locais com o símbolo da melancia e a mensagem “Esta não é uma bandeira palestiniana”.
Mayssoun Sukarieh, especialista em estudos do Médio Oriente no King’s College, em Londres, Reino Unido, explica que “a bandeira da Palestina é a de um povo colonizado que nunca viu a independência. E porque foi banido, torna-se mais um símbolo de resistência do que de nacionalismo.” E quando a bandeira não pode ser ostentada, usa-se o símbolo da melancia para a representar.
A força da semente
Além das cores, a melancia ganha um significado especial para os palestinianos por ser um fruto com sementes. “Tentaram enterrar-nos; não sabiam que éramos sementes”, diz o ditado atribuído ao poeta grego Dinos Christianopoulos, muito usado pelos ativistas.
“Podem cortar uma melancia. Destruir a fruta, mas a semente é difícil de esmagar”, explica Shawn Escarciga, artista que criou o design da melancia usado em muitas das manifestações. “É impressionante como a vida pode nascer de algo tão pequeno, resiliente e que se pode espalhar tão facilmente”.
“A bandeira da Palestina está a ser banida, os emojis na internet já estão sinalizados e a palavra ‘Palestina’ está a ser censurada online. Ter uma imagem que transcende a linguagem, a cultura e os algoritmos pode fazer-nos chegar às pessoas”, acredita Escarciga.
Emoji revolucionário
Os ativistas acreditam que as empresas de tecnologia estão a suprimir publicações com palavras-chave como “Gaza” ou “Palestina”. Como alternativa a estes termos, passou-se a usar um emoji que pode parecer inócuo, mas que agora ganha um novo significado.
Jillian York, diretora de Liberdade de Expressão Internacional da Fundação Electronic Frontier, com sede em Berlim, Alemanha, tem analisado as políticas da Meta, a dona do Facebook, Instagram e WhatsApp e admite que é difícil concluir que existe um boicote parte destas redes sociais, ainda que se sinta preconceito quanto a estes temas. “A censura é óbvia” afirma York. Afinal, em outubro de 2023 o algoritmo do Meta associava textos como “Palestina” ou “Louvado seja Deus”, em árabe, a atos terroristas, pelo que teve de fazer um pedido de desculpas público.