Num momento em que os pilotos e mecânicos ucranianos ainda se encontram em formação, no âmbito de uma coligação internacional coordenada por Países Baixos, Dinamarca e Estados Unidos e também integrada por Portugal, a Newsweek noticiou na quarta-feira que já começaram a chegar à Ucrânia os caças prometidos pelo Ocidente para o primeiro semestre de 2024.
A informação foi avançada à revista norte-americana por uma fonte dos Estados Unidos como uma explicação para “uma série de vitórias de alto nível” nos céus da Ucrânia e também especulada por canais pró-Kremlin no canal Telegram, após a força aérea de Moscovo ter perdido oito aeronaves em três semanas, das quais três sofisticados bombardeiros SU34, avaliados em cerca de 40 milhões de euros cada, num só dia, em 05 de dezembro.
Para o major-general José Arnaut Moreira, seria “quase impossível e surpreendente” que estivesse concluída a lenta e complexa formação do pessoal ucraniano ainda a decorrer na Roménia.
O especialista militar acha mais provável que as notícias sem confirmação que colocam os F-16 já operacionais, em particular aquelas provenientes de canais russos, estejam associadas a campanhas de desinformação como uma justificação para as elevadas perdas nas últimas semanas de Moscovo num conflito onde desde início tem superioridade aérea.
Por outro lado, é igualmente plausível, explica Arnaut Moreira, que este inesperado abate de aviões russos possa estar ligado à melhoria dos sistemas aéreos ucranianos, que, à medida que vão sendo entregues a Kiev – e as suas infraestruturas críticas e a sua capital estejam protegidas -, possam começar a ser deslocados para a frente, onde, por exemplo baterias Patriot já conseguem derrubar aquele tipo de aeronaves.
“Ou seja, a Rússia pode ter sido surpreendida pela presença de baterias avançadas do Ocidente na frente sul e pode estar aqui uma explicação para o facto de, desde o dia 05 de dezembro já terem desaparecido sete ou oito aeronaves da Federação Russa”, assinala o analista.
A entrega dos F-16 é uma questão de tempo, mas também permanece por saber que sistemas de armamento vão possuir, tratando-se de um avião “muito flexível e versátil”, podendo transportar, além de mísseis nas pontas das asas — habitualmente Sidewinder ou Sparrow para o combate aéreo -, outros nove pontos de amarração de armas.
“Isso vai fazer toda a diferença em relação àquilo que são as suas missões. Podem fazer ataque ao solo para apoio à manobra terrestre, destruição de infraestruturas e equipamentos como fazem os F-16 Israelitas na Faixa de Gaza, destruição de radares e até transporte de armas nucleares”, comenta o major-general.
Em qualquer circunstância, vai introduzir um elemento novo, ao fim de quase dois anos da invasão russa, iniciada em 24 de fevereiro de 2022, e “acrescentar uma enorme capacidade à Ucrânia, que não tem feito combate aéreo contra a Federação russa” e cingido os seus ataques a bombardeamentos a partir de plataformas de lançamento de mísseis de cruzeiro.
“Os F-16 permitem muito mais missões e uma dessas missões é a interdição aérea, isto é, evitar que as aeronaves da Federação Russa se possam aproximar suficientemente da frente de batalha”, afirma Arnaut Moreira.
As manobras terrestres ucranianas podem passar a ser acompanhadas pelo apoio aéreo “na preparação através de bombardeamento dos pontos de penetração” dos seus militares, impedindo as forças russas de reagir nesse local.
Isto não terá acontecido na contraofensiva das tropas de Kiev no segundo semestre deste ano, marcadas pelo atraso no fornecimento de equipamentos modernos ocidentais e pela lentidão no seu avanço face a linhas inimigas altamente defendidas.
Este é, de resto, o sinal já evidente da evolução do conflito na Ucrânia, que passa por uma inversão de posições, com russos a assumir a iniciativa na província de Donetsk, no leste do país, e as forças ucranianas a prepararem-se para uma estratégia defensiva.
O ano na Ucrânia termina com uma conquista da Rússia, na segunda-feira, da localidade de Marinka, uma vila em Donetsk que tinha apenas nove habitantes, mas que, segundo Arnaut Moreira, era alvo desde início do levantamento no Donbass em 2014, e progredido apenas três quilómetros e meio desde então e à custa de milhares de baixas.
“Parece uma conquista extraordinária mas não é. Marinka é um bom nome para o caderno eleitoral de Vladimir Putin [Presidente russo], mas é uma coisa que já não existe, apenas se conseguiu afastar as linhas ucranianas um pouco da cidade de Donetsk”, afirma.
O ano termina igualmente com o naufrágio do navio de desembarque “Novocherkassk” na Crimeia, a coroar o principal sucesso da Ucrânia em 2023 ao afastar a frota russa do Mar Negro das suas costas e abrir um corredor comercial para as exportações dos seus portos.
De acordo com o Estado-Maior do exército ucraniano, o “Novocherkassk” tornou-se no 24.º navio no Mar Negro alvejado pelas forças ucranianas, que não dispõem de uma marinha clássica.
Este número inclui um submarino, atingido por um ataque de mísseis em Sebastopol em setembro, o cruzador e navio-almirante do Mar Negro “Moskva”, afundado em abril de 2022, e os grandes navios de desembarque “Saratov”, “Olenegorski Gorniak” e “Minsk”.
Segundo Oleksi Danilov, secretário do Conselho de Segurança Nacional, que falou à edição ucraniana da “Voz da América”, as perdas russas ascendem a 20% da sua frota.
Em retaliação, a Rússia lançou na sexta-feira 122 mísseis e dezenas de ‘drones’ contra alvos ucranianos – incluindo uma maternidade, edifícios de apartamentos e escolas – matando e ferindo dezenas de civis e um número desconhecido de pessoas soterradas, durante o ataque de aproximadamente 18 horas.
Kiev tem apelado aos aliados para fornecerem mais defesas aéreas para se proteger contra ataques como o de sexta-feira, numa altura em que os sinais de cansaço da guerra pressionam os esforços ocidentais para manter o apoio a Kiev.
Um pacote europeu de 50 mil milhões de euros até 2027 está a ser bloqueado pela Hungria, que piorou as perspetivas da Ucrânia para o começo de 2024, quando do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, o apoio de Washington se mantém num impasse.
O Congresso dos Estados Unidos está a debater um novo pacote de ajuda militar de cerca de 56 mil milhões de euros, mas a oposição republicana tem levantado objeções, com alguns congressistas a preferirem um investimento na segurança na fronteira com o México.
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