Os odores desempenham um papel importante na vida quotidiana e afetam-nos emocional, física e psicologicamente. Vários estudos comprovam que os odores são poderosos desencadeadores de emoções e também se sabe que as memórias olfativas ficam armazenadas no hipocampo e podem ficar associadas a emoções.
Com esta impotância em mente, estão em curso novos projetos de investigação para compreender o cheiro do passado e identificar quais os aromas que constituíam o dia-a-dia das várias civilizações que prosperaram ao longo da História.
Porém, o desafio está em descodificar e conservar os cheiros, visto estes serem efémeros e voláteis. Estes não são, naturalmente, como os objetos que se podem observar num museu. A maioria dos odores provém de substâncias orgânicas que se decompõem rapidamente, deixando pouco para os arqueólogos investigarem milhares de anos mais tarde. .
Ao potenciar novas abordagens científicas, e ao ligar novos dados com informação de textos antigos, representações visuais, e os registos arqueológicos e ambientais mais amplos, os investigadores estão a descobrir aspectos do mundo antigo e da evolução da espécie humana.
Um estudo publicado esta terça-feira na revista científica Nature utilizou técnicas como a cromatografia e a espectrometria de massa, que permitem aferir os resíduos biomoleculares deixados em objetos arqueológicos. Produtos de cosmética, medicamentos, objetos ritualísticos ou culinários retém ainda resquícios de incenso, perfumes, comida ou ervas medicinais. Os autores do artigo esperam que a investigação sobre as ricas “paisagens olfativas” do passado forneça uma visão sensorial da antiguidade.
O mais recente projeto de investigação neste sentido, o ODEUROPA, pretende captar o património olfativo europeu utilizando a inteligência artificial para identificar experiências e memórias escondidas em textos históricos e coleções de arte entre o século XVII e 1920.
“O cheiro é central no nosso quotidiano, mas também tem sido central nas transformações que criaram a Europa tal como a conhecemos hoje. Colonização, urbanização, industrialização, nacionalismo e comercialização são quase todos os processos históricos que influenciaram o que cheiramos”, afirma William Tullett, historiador inglês, da Universidade de Anglia Ruskin, no Reino Unido.
Os investigadores e curadores de museus envolvidos neste projeto pretendem criar uma enciclopédia da herança olfativa, em que serão recriados cheiros com a ajuda da tecnologia. A enciclopédia poderia incluir de tudo, desde o perfume de Maria Antonieta até ao fumo de uma fábrica durante a revolução industrial.
“Este projeto conterá histórias sobre os odores individuais, narizes e ambientes malcheirosos que têm desempenhado um papel central na história europeia. Estes estarão disponíveis ao público na Internet através da primeira enciclopédia histórica de perfumes do mundo, aproximando as pessoas de toda a Europa do seu património olfativo”, explica Tullett.
Outros países têm também feito esforços para reconhecer o seu património olfativo.
Em 2001, o Ministro do Ambiente do Japão classificou os 100 melhores locais olfativos do país, que incluíam tanto habitats naturais, como património cultural.
O Centro de Pesquisa para as Civilizações Anatólicas da Universidade de Koç, em Istambul, inaugurou uma exposição, em 2016, que pretendia explorar 4 mil anos de civilização através do olfato.
Já em 2021, a câmara municipal de Melbourne, na Austrália, reconheceu o valor patrimonial do cheiro distinto da Vegemite (uma pasta para barrar com um sabor salgado popular na Austrália e na Nova Zelândia) como património cultural imaterial.
Esta área de investigação é também importante para melhor compreender os propósitos das práticas e objetos históricos. Compreender a dimensão sensorial da história humana e o uso de substâncias olfativas pode contribuir para o conhecimento de muitos aspectos do passado, desde a hierarquia social e práticas sociais até à identidade grupal.