Numa entrevista em Lisboa, o representante permanente da Frente Polisário junto das Nações Unidas sublinhou, porém, que o enviado da ONU, Staffan de Mistura, poderá fracassar a missão se não tiver o apoio o Conselho de Segurança da ONU, tal como aconteceu com todos os seus predecessores desde 1991, quando o então já ex-secretário de Estado norte-americano James Baker, assumiu o papel de mediador.
“Diria antes que é uma missão difícil, não impossível. Por um lado, Marrocos não tem vontade política nem poder para criar colonatos no Saara Ocidental e, por outro, falta pressão política do Conselho de Segurança para que Marrocos honre os compromissos de paz” assinados em 1988 e ratificados em 1991 através de uma resolução da ONU, disse Omar.
Em Lisboa para participar como orador numa conferência que hoje decorre na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, subordinada ao tema “A Questão do Saara Ocidental à Luz do Direito Internacional”, o diplomata sarauí, 52 anos e em Nova Iorque desde abril de 2008, sublinhou que sem essas duas premissas, “tudo vai voltar à estaca zero”.
“Se de Mistura não tiver o apoio suficiente do Conselho de Segurança, a situação irá piorar, tendo em conta o facto de que o cessar-fogo foi violado por Marrocos em 2020 e há agora confrontos militares entre o exército sarauí e as forças ocupantes. Se nada for feito para diminuir a tensão, a situação só vai piorar”, sustentou.
Salientando que a questão do Saara Ocidental é um “caso de descolonização”, Omar salienta o apoio que Portugal pode dar a um processo que considera semelhante ao que levou ao referendo de autodeterminação em Timor-Leste, que permitiu ao povo timorense aceder à independência da Indonésia.
A divisão que impera entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU também “nada ajuda” ao processo, acrescentou o diplomata sarauí, aceitando a ideia de que a Rússia e a China estão do lado da Argélia, que apoia desde sempre a Frente Polisário, e que a França e, mais recentemente, os Estados Unidos, apoiam Marrocos.
Nesse contexto, Omar defendeu uma reforma na ONU, “exigência que vem de há décadas”, pedida por “muitos países”.
“Já foram já criados muitos grupos, muitas comissões com esse fim. Ainda não se percebe porque é que no século XXI ainda se vive num mundo pós-Segunda Guerra Mundial. Cinco dos 193 Estados membros da ONU têm mais poder que todos os restantes juntos”, lamentou.
Questionado sobre se a Frente Polisário, movimento de libertação que luta desde 1976 pela independência do Saara Ocidental, está disposta a sentar-se à mesa das negociações apenas com Marrocos e não num formato quadripartido, envolvendo a Argélia e Mauritânia, Omar manifestou “abertura”.
“A questão do Saara Ocidental, além de ser um assunto de descolonização, tal como ficou definido na ONU, é também uma questão de paz e segurança. É um conflito internacional entre duas partes, Frente Polisário e Marrocos, que estiveram em guerra, que assinaram [em 1991] um plano de paz e que, agora, estão a lutar no terreno”, depois de, segundo Omar, Rabat ter violado o cessar-fogo em 2020.
“No que diz respeito à Frente Polisário, sim, estamos abertos e prontos para retomar o processo de paz com Marrocos, para que se encontre uma solução pacífica e duradoura no quadro do referendo de autodeterminação do povo Sarauí, nos termos da resolução de 1991 das Nações Unidas”, acrescentou.
Para Omar, porém, o conflito só poderá ser resolvido através dos meios pacíficos, baseado nos princípios do Direito Internacional, que incluem, acima de tudo, o direito do povo sarauí à sua autodeterminação.
“Não há nenhum outro caminho. Marrocos acredita que pode resolver o problema através de uma forma de entrincheirar o conflito, aumentando o número de colonatos no Saara Ocidental, envolvendo terceiros que possam abrir consulados no Saara Ocidental e obtendo declarações de apoio, como na anterior administração norte-americana, no tempo do Presidente Donald Trump. Mas todas estas declarações não vão dar a lugar nenhum. Marrocos tem tentado agir desta maneira ao longo de 40 anos sem conseguir ganhar qualquer reconhecimento internacional”, argumentou.
Por isso, prosseguiu, só há um caminho e esse passa pela resolução das Nações Unidas acordada pelas partes em 1991 e que deu aos sarauís a possibilidade de, num referendo, escolher entre a independência e a integração em Marrocos, para quem a exigência do referendo da Polisário “é uma assunto que está morto”.
“Mais tarde ou mais cedo, Marrocos e respetivos aliados terão de aprender a lição e chegar às conclusões corretas: o único caminho para uma solução justa e sustentável é deixar o povo sarauí escolher livre e democraticamente o seu destino”, sublinhou, salientando que Marrocos “não pode, em nenhuma circunstância”, garantir uma autonomia alargada para o Saara Ocidental “porque não tem o reconhecimento da ONU sobre a soberania do Saara Ocidental”.
A antiga colónia espanhola considerada é “território não autónomo” pela ONU, embora Rabat controle quase 80% de um território quase deserto de 266.000 quilómetros quadrados
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