O Presidente de Timor-Leste considerou hoje que o setor judicial do país tem cometido “atos de injustiça” com “graves atropelos” ao longo de anos, tanto por conhecimento defeituoso das leis como por politização.
“Atos de injustiça têm sido perpetrados por quem têm a responsabilidade de aplicar a lei no nosso país”, disse José Ramos-Horta, num comentário enviado à Lusa.
“São atos perpetrados por ignorância das leis, por conhecimento muito defeituoso do Código de Processo Penal, e por politização, não por pressão política, pois os faltosos nem precisam de pressão. Eles/elas têm as suas simpatias e filiação partidária convictas”, enfatizou.
“Tomarei as medidas que terei que tomar para retificar os graves atropelos acumulados ao longo de anos. E o Estado terá que indemnizar seriamente as vítimas”, considerou o Presidente timorense.
Ramos-Horta reagia a uma notícia da Lusa relativa ao recurso da defesa da antiga ministra das Finanças timorense, Emília Pires, que acusou o Tribunal de Díli de “múltiplos erros de julgamento” num recurso ao acórdão de outubro que mantém a condenação a sete anos de prisão.
No recurso, a que a Lusa teve acesso hoje, os advogados de Emília Pires argumentam que o Tribunal de Díli — que estava a analisar o caso pela segunda vez, depois de uma decisão do Tribunal de Recurso — “incorreu em contradições e insuficiências de fundamentação que afetam irremediavelmente” a validade da sua decisão de 07 de outubro.
O recurso da defesa é particularmente crítico da nova condenação, considerando o acórdão do coletivo de juízes de Díli “um exemplo de quase tudo o que não devia acontecer, mas aconteceu, numa decisão judicial”.
Uma decisão “repleta de contradições e erros de julgamento, feita sem o mínimo rigor formal ou substantivo e em total desrespeito da lei timorense. Abundam as gralhas, as frases sem sentido e é total a confusão entre matéria de facto e de direito”, refere.
“Tanto se afirma que certos factos estão provados, como em seguida se diz que esses mesmos factos não estão provados. Mais grave ainda, o Tribunal pura e simplesmente inventou declarações que as testemunhas não proferiram e distorceu de forma grosseira o sentido de documentos juntos ao processo”, refere a defesa.
Os advogados acusam o tribunal de construir “hipóteses quase incompreensíveis que desafiam a lógica e afrontam diretamente o princípio da presunção de inocência”, ignorando “inúmeros documentos e depoimentos da maior importância”.
Já em junho José Ramos-Horta tinha pedido aos membros do Ministério Público que continuem a trabalhar de forma “isenta e exemplar”, considerando que o Estado tem que “fazer mais” para colmatar as carências humanas e materiais do setor.
“É conhecido por todos as condições difíceis que enfrentam os atores do setor de justiça no seu dia a dia. A falta de condições materiais, o reduzido número de juízes, a falta de promotores, defensores públicos, mas, mesmo com todas estas condicionantes, conseguem ainda assim responder aos desafios diários que enfrentam”, disse hoje Ramos-Horta.
“Cabe ao Estado fazer mais (…). O Estado tem de ser capaz de dar resposta às vossas necessidades e criar as condições necessárias para que possam desempenhar ainda melhor a vossa função”, sublinhou, dirigindo-se diretamente aos funcionários da justiça.
Ramos-Horta defendeu isenção na ação do Ministério Público, considerando que na ação dos procuradores “não pode haver espaço para politização na análise de processos, abusos de poder, ou condutas sem ética ou imorais”.
Estes comportamentos, disse, “afetam de forma quase irreversível a obrigação de isenção e integridade, fundamental para a imagem institucional do Ministério Público”.
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