A “dimensão económica da CPLP” deve começar pela afirmação de “uma estratégia” e materializar-se, por exemplo, através de acordos em que os países-membros “identificam projetos [para os quais] poderiam preferencialmente convidar empresas dos países [lusófonos] a apresentar propostas”, afirmou o chefe de Estado timorense, em declarações à comunicação social durante uma visita hoje à sede da instituição multilateral da lusofonia em Lisboa, no âmbito da sua deslocação oficial a Portugal.
Ramos Horta explicou que o fundo soberano timorense começou no início por investir essencialmente em obrigações da dívida pública norte-americana e depois da crise do ‘subprime’ em 2008, em obrigações das dívidas europeias, expandindo ainda o seu interesse às bolsas de valores dos principais mercados internacionais.
“Em alguns poucos anos”, explicou, essa estratégia resultou em sete mil milhões de dólares (sensivelmente o mesmo em euros) “de retorno”.
“Porque não – e esta é uma ideia que defendi [aquando da] minha primeira Presidência, quando Portugal enfrentou a primeira grande crise económica, propus e levei a questão ao então primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, e ao líder da oposição na altura, Mari Alkatiri, e todos concordaram – a aplicação [de investimentos do fundo soberano] em Portugal?”, lembrou o Presidente timorense. “Portanto, isso é uma hipótese”, considerou.
Como exemplo de “outras possibilidades”, Ramos Horta apontou a criação de um banco da CPLP “vocacionado para incentivos ao comércio”.
“Isso poderia ser”, disse, explicando que “a Guiné-Bissau, um dos grandes produtores de caju, não vende o seu caju a Timor-Leste”, porque “tem o seu mercado desde há muitos anos” concentrado na Índia; mas também Moçambique, que produz “camarão, caju e muitas outras coisas, não vende para Timor” e ainda “Portugal tem a maior parte do seu comércio e relações económicas [concentrada] na Europa, Brasil, Angola, Estados Unidos, mas muito pouco na Ásia”.
“O nosso petróleo e gás atual, desde que começou, é vendido todo ao Japão. E futuramente, com o desenvolvimento do [campo gasífero no offshore timorense] Greater Sunrise, que está em plena negociação para decisão sobre para onde vai o gasoduto, um [destino] será o Japão, outra vez, porque uma das companhias japonesas tem 10% do investimento, e provavelmente a China ou Coreia do Sul”, acrescentou o chefe de Estado.
Ramos Horta reconheceu que esta realidade é “imposta pela geografia”, mas acrescentou que “há mecanismos criativos que são viáveis, desde que haja, em primeiro lugar, vontade política, e em segundo, que se pense criativamente a economia”.
Instado a responder à questão sobre se a CPLP dispõe de orçamento que lhe permita criar uma estrutura que olhe para as oportunidades económicas oferecidas pelos seus Estados-membros, com a visão e ambição expressas pelo Presidente timorense, o secretário-executivo da organização, Zacarias da Costa, considerou a pergunta “realmente desafiante”.
“Estou à frente do secretariado-executivo, que vive das contribuições dos Estados. (…) Não somos nós que decidimos os grandes projetos dentro da nossa comunidade, são os próprios Estados-membros, através dos seus órgãos, dos chefes de Estado e de Governo”, afirmou o embaixador timorense, que assume atualmente a gestão executiva da CPLP.
Zacarias da Costa explicou, no entanto, que a organização não está “a pensar ainda na criação de bancos”, reconhecendo que a ideia de Ramos Horta de criação de um banco da CPLP, “já está há muito tempo em cima da mesa” .
O diplomata timorense “recordou” ainda que o último Conselho de Ministros da organização em Luanda, em julho de 2021, decidiu “criar um grupo de peritos para estudar mecanismos de financiamento, ou instrumentos de financiamento – que poderão ser através de um banco, ou através de outros instrumentos à disposição”.
“Mas isso é uma ideia que temos que amadurecer, aprofundar e depois ser aprovada nos órgãos próprios da Comunidade”, salvaguardou o embaixador, escusando-se a comentar “a que distância” a CPLP se encontra de um desígnio assim.
“Uma coisa é um ideal que cada Estado membro tem, a [sua] visão, os objetivos que tem, outra é o esforço, a vontade comum para se materialize, no contexto da própria Comunidade”, acrescentou Zacarias da Costa.
Em defesa do secretário-executivo, Ramos Horta reconheceu que a dimensão económica da organização é uma questão que deve ser discutida ao nível dos chefes de Estado e de governo dos Estados-membros, e que “já muitos têm feito discursos” sobre a mesma.
“Importante é, para começar, que cada um de nós, países-membros da CPLP, contribua mais generosamente para a tesouraria, para o orçamento do secretariado da CPLP, para dotar o secretariado de meios suficientes para se multiplicar em iniciativas criativas, como a digitalização, a inteligência artificial, o papel da cultura na CPLP”, afirmou, por outro lado, o chefe de Estado timorense.
“Sem que os jovens nos diferentes países da CPLP, nas pequenas cidades de Moçambique, de Timor ou do Brasil, vivam a CPLP, tenham curiosidade, a CPLP será apenas dos governantes”, acrescentou.
“Isso é muito importante, porque em muitas instituições multilaterais internacionais criamos muita burocracia e ficamos desconectados com o povo”, alertou ainda o Presidente timorense, apontando para o exemplo da União Europeia.
“A UE é um exemplo, e em outras [instituições multilaterais] corre-se o risco de a instituição não estar realmente a ser vivida pelos países ou povos que nós [governantes], supostamente estamos a representar”, acrescentou.
“Por isso digo, a componente cultural é muito importante. E hoje em dia muito mais fácil, devido aos media sociais, a toda a tecnologia de media, que reduz espaços grandes a uma salinha”.
“Para isso, precisamos de financiamento dos Estados-membros, se temos uma instituição, com o seu secretariado, que serve os Estados membros, tem que ter orçamento a sério”, concluiu.
APL // JH