* António Sampaio, enviado da agência Lusa *
O Presidente timorense colocou uma papoila vermelha na 71ª coluna do extenso quadro de honra que rodeia o átrio principal do Memorial da Guerra, em Camberra, que recorda os soldados que na 2ª Guerra Mundial morreram em Timor-Leste.
A colocação da pequena flor de plástico — a juntar-se a dezenas de milhares que decoram o cinzento do Quadro de Honra — foi um dos pontos altos da visita de José Ramos-Horta, hoje, ao espaço que honra os soldados australianos que tombaram ao longo da história.
Momentos antes, o chefe de Estado timorense depositou uma coroa no monumento do soldado desconhecido “morto na guerra 1914 — 1918”: “ele é todos nós e ele é um de nós”, lê-se nas letras gigantes gravadas no mármore nos pés do túmulo.
Em sentido, quatro militares australianos – um de cada ramo (força aérea, exército e marinha) e um quarto representando os restantes serviços — armas erguidas, enquanto o som da chamada militar ‘Rouse’, num único cornetim, ecoava sob a cúpula do coração do memorial.
“Este é um local simbólico e imponente do ponto de vista artístico e emocional, especialmente vendo a secção de Timor-Leste que abrange a 2ª Guerra Mundial, depois 1999 até 2013, primeiro com a Interfet, UNTAET [Administração Transitória das Nações Unidas] e ISF” (sigla inglesa da Força de Estabilização Internacional), disse José Ramos-Horta à Lusa.
Depois da presença em tempo de guerra, recordou, Timor-Leste foi potencialmente o teatro onde “mais australianos participaram em operações de paz, milhares ao longo dos anos”, vincando os laços entre os dois países.
“É uma parte muito importante da história da Austrália em Timor-Leste e de Timor-Leste na Austrália. E mais australianos teriam morrido se o povo simples timorense não lhes desse guarida na 2ª Guerra Mundial”, acrescentou.
“Porque o nosso povo deu guarida, depois sofreram retaliações dos japoneses quando lançavam ofensivas, com os australianos a terem que recuar, deixando as populações indefesas. A minha avó materna foi morta pelos japoneses na zona do Remixio”, recordou Ramos-Horta, que está em visita de Estado à Austrália.
Ramos-Horta foi acompanhado na visita pelo diretor do Memorial, Matt Anderson, pela filha de um dos soldados timorenses que combateu em Timor-Leste, Paddy Kenneally, que desde aí e até à sua morte foi sempre um fervoroso apoiante dos timorenses, especialmente da luta pela independência.
Com o Presidente da República esteve ainda outra veterana de operações em Timor-Leste, Shawn Bown, que ficou gravemente ferida na sequência de um acidente com um helicóptero australiano em Timor-Leste, em 2004.
Usada para recordar a 1ª Guerra Mundial e fortemente ligada ao Dia do Armistício (11 de novembro de 1918), a origem da papoila como símbolo da memória vem dos campos de batalha, onde eram uma flor comum, especialmente em várias zonas de Bélgica e de França.
No imponente Memorial da Guerra, hoje, milhares de papoilas vermelhas dão cor ao mármore que circunda a Piscina de Reflexão, onde arde a chama eterna.
Ao longo das paredes estão os 103.010 nomes de homens e mulheres que “morreram durante ou em resultado de serviço de guerra, de serviço não de guerra e em certas operações de paz” e os 3.244 do Quadro Comemorativo, que recorda os que morreram ao serviço de nações aliadas, da marinha mercante ou de organizações civis.
Nos dois lados dessa extensa lista de quase 100 conflitos, estão as operações da Austrália em Timor-Leste depois do referendo, em 1999, e mais tarde, quando militares deste país integraram várias missões internacionais.
Ainda que formalmente não sejam associados a Timor-Leste, no quadro de honra estão os nomes dos 151 elementos australianos da Sparrow Force que morreram na Batalha de Timor, número muito aquém das mortes estimadas entre civis timorenses: 40 a 50 mil.
Hoje esquecida na memória de muitos, a Batalha de Timor foi, durante décadas, um dos maiores vínculos entre os povos da Austrália e Timor-Leste, com veteranos australianos a recordar com dor os laços que fizeram na ilha e, em muitos casos, a memória dos que morreram no apoio às tropas aliadas.
Essas mortes têm, desde hoje, mais uma papoila vermelha, numa honra simbólica de Timor-Leste aos militares australianos.
ASP // VQ