Vários vídeos da Primeira-Ministra finlandesa, Sanna Marin, a dançar numa festa privada com amigos foram divulgados durante nos últimos dias nas redes sociais, tornando a política de 36 anos alvo de múltiplas críticas. Nos vídeos, Marin surge divertida a cantar e a dançar rodeada de um grupo de amigos. Membros da oposição levantaram questões sobre as suas opções pessoais e políticas depois de considerarem o seu comportamento nos vídeos inadequado ao cargo que ocupa. Alguns críticos acusaram-na, inclusive, de estar sob o efeito de drogas, o que terá, mais tarde, sido desmentido depois de Marin ter sido sujeita a um teste de drogas, que deu negativo.
Agora, mulheres de todo o mundo uniram-se em defesa da primeira-ministra e daquele que dizem ser o seu direito a ter uma vida pessoal, fora do contexto profissional. A própria Marin já veio defender-se publicamente afirmando não ter feito nada ilegal, estando apenas a “dançar, cantar, abraçar amigos e beber álcool”. “Espero que no ano de 2022 seja aceite que até quem está no poder dança, canta e vai a festas”, acrescentou.
Apesar das críticas, mulheres em todo o mundo elogiaram a primeira-ministra por ter uma relação equilibrada entre a vida pessoal e profissional, recorrendo às redes sociais para demonstrarem o seu apoio e chamarem a atenção para aquele que consideram um tratamento sexista e injusto para com Marin.
O movimento foi iniciado pela revista feminina dinamarquesa ALT, que terá publicado nas suas redes sociais vários vídeos de funcionárias da própria revista a dançar num ato de solidariedade com a primeira-ministra. A acompanhar a publicação surgia o hashtag “#SolidarityforSanna” (#SolidariedadeporSanna) que, entretanto, se tornou viral depois mulheres de todo o mundo publicarem vídeos seus a dançar e beber, uma demonstração de apoio e uma tomada de posição na luta pela igualdade de género.
Num post de Instagram, a revista salientou que ir dançar no fim-de-semana não fazia com que as pessoas fossem incompetentes nos seus empregos. “Parece que algumas pessoas atualmente têm alguma dificuldade em perceber que é possível ser tanto uma jovem mulher como também uma política competente ao mesmo tempo”, reforçou Rikke Dal Stottrup, editora chefe da revista, na publicação.
A própria Dinamarca, de onde é originária a revista, havia vivido uma situação semelhante quando Helle Thorning-Schmidt assumiu o cargo de primeira-ministra do país entre os anos de 2011 e 2015. Durante os quatro anos em que governou o país, Thorning-Schmidt foi frequentemente alvo de críticas pelas roupas que optava por vestir. “Queremos enfatizar que é possível ser uma excelente primeira-ministra, CEO, editora, enfermeira e dançar nos fins-de-semana também”, reforçou Stottrup. “Se queremos mais diversidade temos de expandir as nossas ideias em relação ao que um político se deve parecer. Nós temos de aceitar o pacote completo e não apenas aquilo a que estamos historicamente habituados”, lembrou ainda.
Dançar nos quatro cantos do mundo
A mensagem deixada pela revista cresceu e não só foi ouvida nos quatro cantos do mundo, como se tornou tendência, incentivando mulheres de todo o globo a dançar em apoio à primeira-ministra finlandesa. Os passos de dança contagiaram mesmo algumas mulheres do universo político, nomeadamente Fiona Patten, membro do Parlamento australiano, e Tilly Metz, membro do Parlamento Europeu.
Na publicação, Patten sublinhou: “Se relaxar numa festa é a pior coisa que a vossa primeira-ministra faz, então o vosso país tem muita sorte”. Já Metz surgiu divertida a dançar num vídeo, escrevendo na descrição: “Se vês problema no facto de uma política dançar com amigos no fim-de-semana, então TU tens um problema, não a política. Nós até devíamos dançar mais, independentemente do género e idade, trabalha-se melhor depois”.
A tendência chegou inclusive a Portugal, com várias mulheres em cargos de destaque nas suas próprias empresas a juntarem-se para apoiar o movimento.
De acordo com Melani McAlister, professor de estudos americanos e assuntos internacionais na Universidade George Washington, as festas de Marin não são incomuns, sendo, inclusive, socialmente comparáveis aos jogos de golf nos quais muitos políticos mais velhos participam. O que é importante repensar são os elevados padrões exigidos às jovens mulheres. À medida que cada vez mais jovens adultos assumem cargos no governo, torna-se necessário que os eleitores se adaptem ao que a faixa etária faz fora das horas de trabalho, explica McAlister, numa entrevista ao The Washington Post.
Apesar de a Finlândia, assim como outros países nórdicos, ser considerada bastante evoluída no que toca ao tópico da igualdade de género, destacando-se, inclusive, nos rankings mundiais desenvolvidos sobre esse aspeto concreto, muita coisa ainda precisa de ser feita. “A Finlândia parece estar a sair-se melhor do que os outros países, mas se olharmos para os indicadores do mercado de trabalho, como salários e representação na gerência, as mulheres finlandesas ainda ficam atrás dos homens finlandeses”, explica ao mesmo órgão de comunicação Eiko Straider, socióloga e professora assistente da Universidade George Washington.
Conhecer quem nos rodeia
Apesar das principais críticas à primeira-ministra finlandesa recaírem sobre o seu comportamento no vídeo e sobre facto de participar em festas numa altura em que o país se encontra numa crise financeira, alguns críticos argumentaram que o problema era não o facto de Marin se divertir no fim-de-semana, mas o facto de não ter a capacidade de avaliar os seus amigos e perceber que pessoas publicariam, tendo a oportunidade, vídeos privados seus.
A primeira-ministra confirmou publicamente que sabia que estava a ser filmada, mas admitiu que nunca considerou que os vídeos pudessem ser publicados. “Estes vídeos são privados e foram filmados num espaço privado”, anunciou Marin. “Estou ressentida que estes vídeos se tenham tornado públicos”, acrescentou. O editorial de um dos mais importantes jornais da Finlândia reforçou: “Marin pode ter agido de boa fé, mas não deveria ter sido tão crédula”.
Anu Koivunen, professora de estudos de género da Universidade de Turku, na Finlândia, concorda que não foi o género o fator decisivo na polémica criada em redor do vídeo publicado, mas antes o facto de o vídeo poder representar um lapso na capacidade de a primeira-ministra avaliar as pessoas pelas quais se deixa rodear. “Ela não se conteve quando não sabia se podia confiar em todos na sala”, disse ao The Guardian Koivonen. “Acho que esse é o principal problema no momento”.
Petteri Järvinen, especialista em segurança cibernética citado pelo jornal Iltalehti no sábado, e agora pelo The Guardian, levantou a possibilidade de a Rússia ter hackeado o telefone ou as contas sociais de uma das pessoas que integra o círculo próximo da primeira-ministra finlandesa.