O Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, é uma das mais proeminentes figuras mundiais desde o dia 24 de fevereiro de 2022. Todos o conhecem da sua vertente política, mas a sua história pessoal é agora retratada na obra “Zelensky – O Herói Improvável”, que descreve a vida do líder, desde a infância, à família, não esquecendo a trajetória pública. O livro chega esta quinta-feira, 19, às livrarias, mas o capítulo “Redes Não Sociais” pode ler já aqui, em pré-publicação.
ZELENSKY- O HERÓI IMPROVÁVEL
Redes Não Sociais
O ataque da Rússia – guerra, embora os russos não façam uso dessa palavra – à Ucrânia não estava a ser feito apenas no terreno e a partir do céu.
O uso – ou não – das redes sociais tornou-se um ponto crítico de influência tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia, no primeiro caso para recrutar apoio, no segundo para abafar e controlar o fluxo de informação. Ambas são funções da propaganda, boas e más.
O USA Today observou: “Não há dúvida de que a invasão da Ucrânia é uma guerra das redes sociais – a primeira do mundo. Muitas das entrevistas para a televisão são com ucranianos que estão a obter um grande número de seguidores nas redes sociais. O TikTok está repleto de vídeos de cenas pós-bombardeamentos e de abrigos antibombas. São filmados em smartphones por cidadãos e partilhados diretamente com o mundo, contornando os meios de comunicação social tradicionais.”
Os simpatizantes da Ucrânia também deram um contributo de peso.
Acreditando, corretamente, nas evidências de que a verdade não estava a ser contada na sua totalidade ao povo russo, um especialista informático norueguês e a sua equipa criaram um site que permite a qualquer um enviar um e-mail sobre a guerra na Ucrânia a um máximo de 150 endereços de e-mail russos em simultâneo. Desconheciam se os russos iriam acreditar ou não na informação, mas pelo menos faziam ouvir as opiniões de ucranianos – e outros –, às quais não teriam acesso de outra forma.
As mensagens, estimadas em 22 milhões logo nos primeiros dias, tinham no assunto a frase Ya vam ne vrag – “Eu não sou seu inimigo.”
Como o acesso a outras plataformas de redes sociais é controlado, a mensagem padrão aparecia em russo com uma tradução em inglês. Nela lia-se: “Caro amigo, escrevo-lhe para expressar a minha preocupação com um futuro seguro para as nossas crianças neste planeta. A maior parte do mundo condenou a invasão da Ucrânia por Putin.”
A mensagem incitava os russos a repudiar a guerra na Ucrânia e a descobrir a verdade sobre a invasão através de serviços noticiosos não governamentais.
Estes e-mails e a catadupa de publicações nas redes sociais são a versão moderna das largadas de panfletos durante a II Guerra Mundial.
Um membro da equipa norueguesa contactou uma mulher de 35 anos, de São Petersburgo, que ao início pediu para ser removida da lista de e-mails. O norueguês voltou a contactá-la: “Ela disse-me que não tinha a certeza do que se estava a passar no conflito e que queria saber mais. Contou-me que havia falta de notícias vindas da Europa e disse que queria ler mais, mas não sabia como ultrapassar os bloqueios nos sites.”
Outro membro da equipa recebeu uma resposta de um russo anónimo, que argumentou que ela estava errada e que era a Ucrânia que matava inocentes, daí “esta operação especial ser uma medida necessária”, o que mostra o nível de conhecimento que existe na Rússia em relação ao que está realmente a acontecer. Os especialistas em tecnologia advertiram para o facto de muitas publicações pró-Rússia conterem imagens antigas e falsas. Isso já era esperado.
No entanto, parte da população russa está a encontrar formas de contornar as proibições em redes sociais populares. Há informações de que alguns terão usado uma rede privada virtual (VPN) com uma ligação encriptada entre os seus aparelhos e um servidor remoto. Um tal servidor pode encontrar-se em qualquer parte do mundo, portanto, em teoria, é possível ligar-se a sites bloqueados na Rússia. E o Twitter lançou uma nova versão do site com proteção de privacidade, para facilitar o acesso aos russos.
Entretanto, os procuradores russos pediram que a Meta de Mark Zuckerberg, proprietária do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, fosse designada como uma “organização extremista”, o que permitiria aplicar medidas mais severas contra os utilizadores e os fornecedores de conteúdos.
O presidente Zelensky esteve sempre ciente do impacto das redes sociais. Registou-se no Twitter em abril de 2019, e três anos mais tarde já contava com 5,2 milhões de seguidores.
Semanas depois do início da invasão russa, o presidente tinha 14,1 milhões de seguidores no Instagram. Mais do que os líderes da França, Alemanha, Itália e Reino Unidos juntos.
Restam poucas dúvidas de que os seus seguidores desempenharam um papel importante na sua vitória esmagadora em 2019.
Era também evidente que o presidente Zelensky compreendia a importância da opinião pública no Ocidente. Publicou vídeos nas redes sociais e fez declarações no Twitter, pedindo ajuda e expressando determinação, ao ponto de se ter tornado um herói global praticamente sem aparecer em pessoa.
Dirigiu-se a governos ocidentais, pôs os seus cidadãos ao corrente da situação tranquilizando-os, e provocou os russos no seu próprio país, tudo através das redes sociais. As suas campanhas e publicações neste meio de comunicação desempenharam um enorme papel na mobilização de protestos no mundo inteiro contra as ações russas e em apoio à Ucrânia.
Os seus tweets frequentes puseram os seguidores a par das suas discussões com líderes mundiais. Vejam-se, por exemplo, estes dois tweets do dia 12 de março:
“Falei com Olaf Scholz, Emmanuel Macron (Alemanha e França). Conversámos sobre a agressão russa e a possibilidade de conversações de paz. Temos de parar com as repressões contra civis: pedi que ajudassem a libertar o presidente da câmara de Melitopol e personalidades locais em cativeiro.”
“Tive uma conversa significativa com o POTUS (presidente Biden). Fiz-lhe um balanço da situação no campo de batalha, informei-o dos crimes da Rússia contra a população civil. Acordámos os próximos passos para apoiar a defesa da Ucrânia e mais sanções contra a Rússia.”
A campanha da Ucrânia nas redes sociais consistia em apresentar, em casa e no estrangeiro, a imagem de uma resistência unificada à agressão russa. Perfis ucranianos nas redes sociais publicaram conteúdos que mostravam alegados combatentes a ameaçar matar russos, instruções para fazer cocktails molotov, helicópteros russos a ser abatidos e civis aparentemente a confrontar soldados russos.
As contas pessoais de Zelensky (o acesso é por vezes instável) têm publicado regularmente vídeos dele próprio a desmentir rumores de que fugiu do país ou se rendeu aos russos.
Num vídeo publicado no Instagram, ele disse: “Estou em Kiev… na rua Bankova”, sem medo de revelar a sua localização. Usou o seu telemóvel para filmar a vista da janela e mostrar a rua em frente ao palácio presidencial, reconhecível para os espectadores ucranianos.
Numa das muitas vezes que se dirigiu aos seus seguidores e aos russos que estivessem a escutar, declarou: “O nosso escritório, segunda-feira. Sabem que costumávamos dizer que a segunda-feira é um dia difícil… Agora temos uma guerra no nosso país, por isso todos os dias são segunda-feira, e já estamos habituados ao facto de todos os dias e todas as noites serem assim… Eu estou em Kiev. A minha equipa está comigo… Não temos medo de vocês.”
A maioria das suas declarações foi traduzida pelo seu gabinete para ser consumida por um público mais vasto. Quando os russos bombardearam uma maternidade no sul da Ucrânia, o presidente foi imediatamente para as redes sociais, publicando mensagens escritas e imagens.
No Twitter, disse: “Mariupol. Ataque direto das tropas russas à maternidade. Pessoas, crianças estão sob os escombros. Atrocidade! Por quanto mais tempo vai o mundo ser cúmplice, ignorando o terror? Fechem já os céus! Acabem com a matança! Vocês têm poder, mas parecem estar a perder a humanidade.”
Num vídeo publicado online, declarou: “Hoje é o dia que define tudo. Define quem está de cada um dos lados. Um hospital de crianças. Uma maternidade. Que ameaça representavam para a Federação Russa?” E insistiu: “Será que havia lá pequenos nacionalistas? As grávidas iam disparar mísseis contra Rostov? Alguém naquela maternidade ofendeu os falantes de russo? Foi a ‘desnazificação’ do hospital? Isto já ultrapassa as atrocidades.”
A sua esposa, Olena, também partilhou no Instagram uma mensagem emotiva e vídeos sobre o bombardeamento. Os seus vídeos mostram os destroços, bem como algumas pessoas a tentar ajudar, e veem-se outras a abandonar o local.
A embaixada da Rússia em Londres começou por estampar um enorme “FALSO” sobre as fotografias da atrocidade em Mariupol publicadas no Twitter, insistindo que o hospital só albergava radicais neonazis.
Quando os comentadores referiram fotografias de uma grávida de muitos meses a fugir com sangue a pingar-lhe do rosto, a embaixada alegou que se tratava de uma “bloguista de beleza” com “maquilhagem muito realista”. Havia uma possibilidade de que a mulher fosse uma consultora de beleza que se encontrava no hospital naquela altura, prestes a dar à luz.
O Facebook e o Twitter acabaram por remover as publicações da embaixada.
Notícias posteriores informaram que a mulher dera à luz, mas que ela e o bebé haviam falecido após uma cirurgia.
As contas pró-russas nas redes sociais têm como objetivo convencer as pessoas a não acreditar nas notícias sobre ucranianos a sofrer e a morrer. Espalham falsas alegações de que os serviços noticiosos têm mostrado imagens falsas de “atores de crise” ucranianos – pessoas felizes e saudáveis a representar para as câmaras o papel de vítimas de guerra aterrorizadas ou mortas. Muitas das afirmações duvidosas têm frequentemente origem nas embaixadas russas na Europa.
A embaixada russa em Genebra partilhou várias mensagens sobre a Ucrânia no Twitter, incluindo alegações de que um grupo paramilitar ucraniano estava a usar os pacientes e os funcionários do hospital de Mariupol como escudos humanos.
Outra notícia vinda da Rússia afirmava que Zelensky fugira para a Polónia e mentira aos ucranianos sobre a sua presença na capital. Estas informações foram frequentemente transmitidas por serviços noticiosos de países favoráveis à Rússia, como, por exemplo, o Irão.
O fluxo de informações claramente falsas vindas da Rússia levou a Meta, o Twitter, o Google e outras empresas a restringir os serviços de comunicação social apoiados pelo Governo russo, como a RT e a Sputnik.
Em retaliação, a Rússia tornou ilegal que os meios de comunicação contradissessem as palavras oficiais do presidente Putin sobre a guerra (embora não fosse essa a palavra usada), e bloqueou o Facebook e o Twitter.
A guerra das redes sociais assumiu um tom ainda mais sério quando foram divulgados e-mails que revelavam que os utilizadores do Facebook e do Instagram, em alguns países, teriam permissão para apelar à violência contra os russos e à morte de Vladimir Putin nestas plataformas.
O jornal britânico The Independent noticiou que a Meta estava a alterar temporariamente a sua política de discursos de ódio nas publicações relacionadas com a guerra na Ucrânia, para os países envolvidos e a maioria dos países vizinhos europeus. O The Independent referiu a existência de e-mails internos que informavam os moderadores de conteúdo de que as publicações que apelassem à morte de Putin ou do presidente bielorrusso Alexander Lukashenko seriam permitidas, o que representava uma mudança nas regras da empresa no que respeita à incitação à violência.
Os e-mails diziam que os apelos à violência contra russos eram aceitáveis caso a publicação aludisse explicitamente à invasão da Ucrânia. Nos apelos à violência contra soldados russos, estes seriam considerados representantes das forças armadas russas – mas isto não abrangeria os prisioneiros de guerra.