A pandemia chegou oficialmente à Coreia do Norte pela primeira vez na passada quinta-feira, dia 12, quando os primeiros casos de Covid-19 foram identificados em Pyongyang, a capital. A Coreia do Norte, um país com 25 milhões de habitantes e 70 anos de história, tinha até agora, pelo menos oficialmente, passado ao lado do caos da pandemia global, tratando-se este do primeiro surto registado no seu território.
E esta realidade está a causar séria preocupação aos governantes norte-coreanos, especialmente a Kim Jong Un, o líder supremo, que considerou o surto um “grande desastre” e uma “emergência nacional”. Se nos guiarmos pela narrativa oficial partilhada pelos meios de comunicação estatais, os casos de Covid-19 ainda são escassos, mas o certo é que, ao longo das últimas semanas, a KCN, a agência de notícias norte-coreana, tem vindo a anunciar diariamente milhares de novos casos de uma “febre” muito contagiosa.
Ora, muitos especialistas de saúde acreditam que essa “febre” se trate mesmo de Covid-19, e argumentam que o governo da chamada “nação ermita” pretende ocultar a verdadeira crise sanitária no país de modo a manipular a opinião pública, evitar o pânico entre a sua população e defender-se das críticas internacionais. Se assumirmos que, neste caso, os termos “febre” e Covid-19 representam a mesma infeção viral, então, desde quinta-feira, a Coreia do Norte já conta com quase 1,5 milhões de casos de coronavírus e 56 mortes.
Devido ao nível de controlo e repressão exercido pela cúpula política de Pyongyang sobre os seus cidadãos, e também à histórica tendência do regime norte-coreano para o isolamento, é difícil precisar quão grave é este surto, e até que ponto a rápida transmissão do vírus irá afetar uma nação já muito empobrecida e carente de recursos básicos para a sobrevivência.
Uma coisa é certa: tendo em conta não só o estado incrivelmente limitado das infraestruturas de saúde pública ou a falta de recursos financeiros para assegurar o bom funcionamento de uma campanha de prevenção, mas também a relutância do regime em abrir-se ao exterior – lembre-se que, até à data, a Coreia do Norte rejeitou receber qualquer vacina no âmbito do programa Covax, um projeto liderado pela Organização Mundial da Saúde para distribuir vacinas globalmente –, as previsões não são encorajadoras.
Como é que o governo tem respondido ao surto?
Numa reflexão da gravidade do surto pandémico, Kim Jong Un criticou publicamente esta segunda-feira, dia 16, os profissionais de saúde norte-coreanos e a sua resposta ao aumento registado de infeções, acusando-os de serem irresponsáveis e pondo em causa as suas capacidades de “organização e execução”.
Na verdade, o líder norte-coreano tentou moldar o seu combate à Covid-19 à imagem da estratégia de “zero covid” executada pela China, o seu vizinho e aliado mais próximo. Mas terá rapidamente percebido que os seus oficiais de saúde não possuem, nem da capacidade, nem dos meios necessários para efetuar tal tarefa, caracterizada pela implementação de confinamentos rigorosos e um acompanhamento quase constante a todos os cidadãos infetados e aos seus contactos mais próximos. As principais cidades da Coreia do Norte estão precisamente em confinamento já desde quinta-feira, mas o número de casos continua a escalar.
Com vista a um plano operacional pelo menos comparável ao chinês, Kim Jong Un aproveitou uma reunião entre altos dirigentes políticos do país, na segunda-feira, para anunciar que ia mobilizar o exército do país – o quarto maior do mundo em quantidade de soldados – para “estabilizar imediatamente a distribuição de medicamentos na cidade de Pyongyang”.
Contudo, não abundam grandes alternativas aos confinamentos, especialmente considerando que praticamente toda a população ainda não está vacinada. Mesmo nos próprios hospitais a ausência de medicamentos antivirais obriga os médicos a recomendar e administrar tratamentos menos eficazes, como aqueles à base de antibióticos. A possibilidade de uma resposta ineficiente por parte do sistema de saúde norte-coreano já fora equacionada por um relatório de um investigador das Nações Unidas, lançado em março. A investigação documentava, entre outras coisas, “a falta de investimento em infraestrutura, pessoal médico, equipamento e medicamentos” por parte do governo liderado por Kim e salientava ainda o “fornecimento energético irregular” e as “instalações sanitárias inadequadas” de muitos hospitais do país.
Por sua vez, os média estatais têm sugerido aos cidadãos o uso de analgésicos ou comprimidos para baixar a febre, como o Brufen – ambas as opções não são normalmente receitadas para tratar a Covid-19. À falta de alternativas, a população tem-se virado ainda para a medicina tradicional e alternativa, que tem uma forte implementação em largas regiões da Coreia do Norte. Aqui os média também ajudam: através da televisão e dos jornais, têm proposto que os norte-coreanos gargarejem água salgada ou bebam chá de madressilva ou salgueiro três vezes por dia para combater os sintomas do coronavírus SARS-CoV-2.