Quando em junho de 2014 a ISIS ocupou a cidade de Mossul, no Iraque, a vida dos seus habitantes mudou para sempre: o medo instaurou-se nas ruas e em casa, a liberdade tornou-se uma palavra proibida e embora todos tenham sido afetados, foram as mulheres que se viram forçadas a esconder-se atrás de um niqab, com apenas os olhos visíveis. As suas liberdades e direitos foram completamente condicionados.
Qualquer violação do estrito código imposto pela ISIS seria castigada com chicoteadas ou, na pior das hipóteses, sob a pena de morte. Uma morte pública e humilhante que deixou a sua marca nas paredes de Mossul. Ainda hoje, cinco anos depois de recuperar a sua liberdade, as feridas da cidade continuam a sarar e as cicatrizes ficarão para sempre.
Durante o reinado de terror da ISIS foram destruídas ruas, casas e muito do património cultural de Mossul. Foi a partir da ruína que a cidade, localizada no norte do país, se começou a reconstruir. No processo, os seus habitantes foram redescobrindo a sua liberdade, a sua voz e a identidade de Mossul, uma cidade que lhes tinha sido roubada, mas que nunca deixou de lhes pertencer.
Pelas ruas e ruelas, a cor foi regressando ao dia-a-dia dos habitantes da segunda maior cidade do Iraque e uma parede que era antes a lembrança de um tempo sombrio, assume-se agora como um grito à liberdade. Uma a uma as marcas deixadas pelas balas disparadas contra a população foram sendo cobertas por coloridos murais, muitos deles representando os rostos de mulheres.
Nos murais, veem-se mulheres que surgem pintadas de muitas cores – azul, roxo, laranja, verde -, sem véus nem restrições, a cobrirem toda a altura da parede. São murais que representam não só a mulher, mas o que é ser mulher em todas as suas dimensões. “Não é algo errado quando uma mulher mostra a sua beleza”, diz à NPR Rusul Ahmed, de 20 anos, autora de dois dos murais. “Quando a ISIS chegou aqui, as mulheres tiveram de cobrir o seu corpo, o seu rosto. Isso é errado porque as mulheres deviam poder viver as suas vidas”, acrescenta a estudante universitária.
Alguns dos rostos pintados ao longo do mural são de personalidades famosas. Zaha Hadid, arquiteta nascida no Iraque, é uma delas e junta-se a nomes como Billie Eilish e Ariana Grande, numa representação de tudo aquilo que foi um dia roubado às iraquianas de Mossul. Há cinco anos, era impensável para uma mulher sonhar ter uma carreira como a de Hadid ou ouvir música ocidental e ver televisão por satélite. Hoje, a realidade é outra, mas o passado não é esquecido e as paredes cobrem-se de mulheres poderosas, sem limites e livres de fazer e sonhar sem restrições.
Em resposta também à NPR, Ali Al-Baroodi, professor do departamento de media da Universidade de Mossul, refere que a cor que agora ocupa as paredes da cidade vêm em resposta ao período sombrio da ocupação do ISIS. “Os artistas de Mossul, em particular, estão a responder com cores e liberdade”, diz. “Vimos mulheres cobertas de preto naquele período. Agora vamos poder ver mulheres livres nas paredes e fora das paredes, que é o mais importante.”
Muito do património cultural da cidade foi destruído durante o domínio da ISIS, nomeadamente grande parte da Cidade Velha, um local considerado património mundial da UNESCO e que tem agora sido alvo de um grande esforço de recuperação.
Mesquitas, igrejas e casas centenárias destruídas pela ISIS estão a ser reconstruídas com a ajuda da iniciativa “Reviver o Espírito de Mossul”, da UNESCO. Ainda assim, muitos locais continuam marcados pelo terror vivido entre os anos de 2014 e 2017, quando a ISIS foi oficialmente expulsa da cidade. A arte, outrora um crime sob a pena de morte, surge hoje como uma cura para uma cidade que se volta a reerguer.