Uma bactéria que mede quase um centímetro e é visível a olho nu está a desafiar a ciência tanto pelo seu tamanho significativamente acima da média como pela sua constituição.
Descoberta pela primeira vez em 2012, nas ilhas de Guadalupe, nas Caraíbas, pelo biólogo marinho Oliver Gros, a bactéria conhecida como Thiomargarita magnifica continua, dez anos depois, a ser alvo de estudos. Inicialmente, o estranho organismo não foi logo identificado como sendo uma bactéria, o que terá acontecido apenas cinco anos mais tarde. Hoje a bactéria regressou aos holofotes com um estudo que tem entusiasmado a comunidade científica.
As bactérias são consideradas um tipo de micróbio, ou seja, um organismo celular de dimensões microscópicas. Embora existam vários tipos de micróbios, todos eles apresentam dimensões reduzidas, ou assim o era até à descoberta da Thiomargarita magnifica, que não só é visível a olho nu, ou seja, não há necessidade de recorrer a um microscópio para a ver, como é cerca de 50 vezes maior do que outras bactérias já consideradas gigantes.
Desenvolvido por uma equipa de 20 investigadores, o estudo publicado no mês passado procura descrever e caracterizar a bactéria Thiomargarita magnifica cuja organização celular se provou significativamente diferente daquela associada anteriormente a este tipo de organismo.
O tamanho médio da maioria das bactérias é, aproximadamente, de dois micrómetros, medida equivalente a cerca de 0,002 milímetros, com as maiores bactérias, ou bactérias gigantes, a atingirem os 1,8 milímetros (ou 1800 micrómetros). A Thiomargarita magnifica ultrapassa significativamente todos estes valores, com um comprimento médio de quase 1 centímetro, sendo que o maior espécime alguma vez descoberto deste tipo de bactéria chegou aos 2 centímetros de comprimento.
“Quando se tratam de bactérias, nunca digo nunca, mas esta está com certeza a pôr em causa o que pensávamos ser o limite superior (de tamanho) em 10 vezes”, diz à Science Verena Carvalho, microbiologista da Universidade de Massachusetts, Amherst. O tamanho da bactéria ultrapassa, segundo a própria revista, o tamanho de algumas moscas da fruta que são muitas vezes infetadas com outras bactérias consideravelmente mais reduzidas no âmbito de alguns estudos.
Dois tipos de células: eucarióticas e procarióticas
Além do seu tamanho, outras características têm chamado a atenção dos cientistas para esta bactéria, nomeadamente o facto de desafiar aquelas que seriam as particularidades das células procarióticas, um de dois tipos de células.
Durante muito tempo, todos os organismos vivos foram divididos em dois grupos: procariontes ou eucariontes. Os seres procariontes, como as bactérias e as cianobactérias, são constituídos por apenas uma célula, contrariamente aos seres eucariontes que são multicelulares. A própria constituição das células é um ponto diferenciador entre os dois grupos. Enquanto que as células eucarióticas possuem um núcleo definido no qual se encontra retido o material genético e têm as diferentes funções celulares compartimentadas em vesículas conhecidas como organelos, as células procarióticas não têm organelos e não possuem um núcleo definido, de modo que que o ADN não está concentrado.
Até recentemente, a divisão entre procariontes e eucariontes era clara, mas as descobertas feitas no novo estudo sobre a Thiomargarita magnifica têm levantado dúvidas sobre as diferenças entre ambos.
O facto de ter 1 centímetro e ser visível a olho nu levantou inicialmente questões sobre se o organismo se trataria, de facto, de uma bactéria, mas vários testes levados a cabo pela equipa de cientistas permitiu provar que era constituído por uma única célula, pertencendo, assim sendo, ao grupo das bactérias. “Foi algo em que não acreditamos inicialmente”, lembra uma das autoras do estudo Jean-Marie Volland.
Além disso, a Thiomargarita magnifica mostrou ter duas membranas que formam um saco, sendo que um deles retém todo o ADN da célula, contrariamente a outras bactérias cujo material genético flutua por toda a estrutura celular. Volland realça que esse único pormenor é “uma grande e novo passo” na compreensão da própria evolução até porque é a prova de que os dois grupos de seres vivos, antes vistos como substancialmente diferentes, podem não ser assim tão diferentes como pensado.
A outra membrana contém água e pode ser o segredo para o crescimento da bactéria. Segundo a Science, um micróbio gigante, aproximadamente do tamanho de uma semente de papoila, descoberto na Namíbia tem também sido estudado no sentido de se compreender a origem do seu crescimento. Uma das hipóteses sugere que o seu conteúdo celular é esmagado contra a parede celular externa por um saco de água e nitrato. Acredita-se que ambas as bactérias possam partilha razões semelhantes para o seu crescimento, nomeadamente porque ambas têm sacos de membrana com água no interior.
Segundo os próprios autores do estudo, a razão pela qual mais bactérias deste tipo não são descobertas está relacionada com o facto de termos tendência a reforçar aquilo que já damos como o certo em lugar de desafiar esse conhecimento. Uma vez que as bactérias não são habitualmente encontradas sem recurso a microscópios, não as procuras a olho nu e isso dificulta que encontremos estas novas espécies. “A descoberta da Thiomargarita magnifica sugere que bactérias maiores e mais complexas podem estar escondidas à vista de todos”, garante o estudo.