Uma criança de oito anos, cujo nome não foi revelado para resguardar a sua identidade, foi acusada, a 24 de julho, por um clérigo paquistanês, de urinar intencionalmente no tapete da biblioteca de uma madraça (escola religiosa muçulmana), onde estavam guardados livros religiosos.
A criança, juntamente com a família, está a ser protegida pela polícia, no leste do Paquistão, depois de se tornar a pessoa mais jovem no país a ser acusada de blasfémia, enfrentando uma possível pena de morte.
“Ele [a criança] nem tem noção do que é blasfémia”, defendeu um familiar, sem revelar o local onde se encontram escondidos, ao The Guardian. “Ele continua sem perceber qual foi o crime e por que foi mantido na prisão durante uma semana.”
Ativistas e especialistas jurídicos também estão chocados com tal medida e afirmam que ninguém tão jovem foi acusado de blasfémia anteriormente no Paquistão.
A libertação da criança, na semana passada, sob fiança, levou a um ataque ao templo hindu, por uma multidão muçulmana, como forma de protesto, obrigando vários membros da comunidade hindu, no distrito conservador de Rahim Yar Khan, em Punjab, a fugir das suas casas.
“Deixámos as nossas oficinas e trabalho, toda a comunidade está assustada e temos medo de reações. Não queremos voltar àquela zona. Não achamos que alguma ação concreta e significativa vá tomada contra os culpados ou para proteger as minorias que vivem aqui”, acrescentou o familiar da criança.
O templo foi incendiado e várias imagens de deuses hindus foram danificadas, enquanto uma estrada próxima estava bloqueada. Nas redes socias é possível encontrar gravações do ataque.
Tropas foram enviadas ao local para controlar a situação e, no último sábado, 20 pessoas foram presas por vandalização do templo.
“O ataque ao templo e as acusações de blasfémia contra o menor realmente chocaram-me. Mais de cem casas da comunidade hindu ficaram vazias devido ao medo de um ataque”, disse Ramesh Kumar, chefe do Conselho Hindu do Paquistão, ao The Guardian.
As leis contra a blasfémia há muito que são criticadas por grupos que defendem os direitos humanos, por serem usadas de forma abusiva contra as minorias religiosas no Paquistão, que é maioritariamente muçulmano. Embora nenhuma execução por blasfémia tenha sido realizada no país desde que a pena de morte foi introduzida para o crime em 1986, os suspeitos são frequentemente atacados e às vezes mortos pela multidão.
O primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, condenou o ataque através de uma publicação na conta pessoal do Twitter e disse que ordenou ao chefe da polícia provincial que tome medidas contra todos os envolvidos, prometendo que o governo restaurará o templo.
Os hindus representam uma minoria da população no Paquistão e os seus templos são, frequentemente, alvo da violência popular. No entanto, a maioria dos muçulmanos e hindus viveram pacificamente no Paquistão, embora os ataques a templos tenham aumentado nos últimos anos.
Um relatório da comissão dos EUA para a liberdade religiosa internacional, publicado no final do ano passado, indicou o Paquistão como o país com mais casos registados, em 2020, de violência de multidões e / ou ameaças de violência relacionados a supostos atos de blasfémia.