“O governo moçambicano deve ajudar imediatamente os civis a se deslocarem para áreas mais seguras. Estes civis estão presos pelos combates na província de Cabo Delgado”, alerta a HRW num comunicado divulgado em Joanesburgo, na África do Sul.
A organização de defesa dos direitos humanos sublinha que “mais de 88.000 pessoas foram deslocadas do distrito de Palma, após o ataque da Ansar al-Sunna, um grupo armado ligado ao Estado Islâmico (EI), em 24 de março de 2021” e que “as forças de segurança governamentais impuseram restrições que impediram a saída de dezenas de milhares de pessoas, colocando-as em risco devido aos combates e à escassez de ajuda humanitária”.
Muitos civis têm procurado refúgio na aldeia de Quitunda, a cerca de cinco quilómetros da cidade de Palma, onde lhes falta água, alimentos e outros serviços básicos, segundo a HRW. “As pessoas que conseguiram escapar de Quitunda disseram que os soldados do governo proibiram as pessoas de deixar a aldeia, e agrediram fisicamente aqueles que foram apanhados a tentar fugir”, denuncia o comunicado.
“As forças governamentais têm a obrigação legal internacional de ajudar as pessoas ameaçadas pelos combates e pela escassez de alimentos a se deslocarem para áreas mais seguras”, sublinha Mausi Segun, diretora da HRW para África, citada no comunicado.
“As autoridades moçambicanas devem permitir imediatamente que os civis deixem as zonas de combate de Cabo Delgado e assegurar que a ajuda humanitária chega aos necessitados”, acrescentou.
A organização não-governamental (ONG) falou por telefone entre março e julho últimos com 32 pessoas, incluindo pessoas deslocadas, familiares de residentes presos em Palma, trabalhadores humanitários, oficiais do exército, e jornalistas e alega que corroborou os relatos destes analisando imagens de satélite de combates na cidade de Palma e de incêndios massivos nas áreas circundantes desde finais de abril.
“Durante o ataque de 24 de março, homens armados identificados como membros do grupo radical islâmico Ansar al-Sunna pelas suas roupas, língua, e armas queimaram casas e quintas. As testemunhas disseram que os atacantes mataram pelo menos sete pessoas, incluindo familiares e vizinhos das testemunhas”, afirma a HRW.
“Desde o ataque, a HRW tem documentado abusos por parte das forças de segurança governamentais, incluindo a restrição do movimento das pessoas e o espancamento e mau trato das mesmas”, acrescenta.
Por outro lado, as pessoas que fugiram de Quitunda e Palma para Pemba em maio e junho indicaram que os soldados do Governo moçambicano restringiram fortemente os movimentos da população.
“Os soldados não nos permitiram sair de Quitunda, mas não há lá nada, nem comida, nem medicamentos, e a água está suja”, afirmou um homem de 28 anos, não identificado, citado no comunicado.
“Quando ocasionalmente chega ajuda, lutamos uns contra os outros por ela. Tentei fugir de Quitunda três vezes antes. Soldados apanharam-me e chicotearam-me com força”, acrescentou, explicando que finalmente escapou depois ter feito amizade com um soldado, que o “ajudou em troca da sua roupa civil para que também ele pudesse fugir”, ainda segundo a HRW.
A insegurança persistente e as restrições governamentais continuaram a dificultar o acesso dos grupos humanitários que operam na província de Cabo Delgado, sublinha a ONG, enumerando alguns incidentes, como o de “um alto funcionário da organização Médicos Sem Fronteiras (Médicos Sem Fronteiras, MSF), que visitou a região e relatou que os obstáculos burocráticos impediram a entrega da ajuda”.
“Dois oficiais superiores do exército disseram em maio e junho que o exército não estava a permitir que as pessoas saíssem, porque acreditava que os membros do grupo armado estavam escondidos entre eles”, afirma a HRW.
A Human Rights Watch revela que partilhou as suas conclusões e solicitou comentários num email enviado ao Ministério moçambicano da Defesa moçambicano, mas “não recebeu resposta”.
“Ao abrigo do direito humanitário internacional, as forças governamentais e os grupos armados não estatais são obrigados a proteger os cidadãos sob o seu controlo e a retirá-los das imediações das operações militares. Todas as partes precisam de facilitar a prestação da ajuda”, refere a ONG.
A Convenção da União Africana para a Protecção e Assistência das Pessoas Deslocadas Internamente em África (Convenção de Kampala) obriga também “os países membros africanos a prestar assistência às pessoas deslocadas internamente, satisfazendo as suas necessidades básicas, incluindo permitir e facilitar o acesso rápido e sem entraves das organizações humanitárias”, recorda ainda a organização.
APL // PJA