José Rui Oliveira, 51 anos, é conhecido como “Juvenal” por todos em Santa Catarina, centro da ilha de Santiago e berço do batuco (ou batuque) em Cabo Verde, e passou os últimos 15 a liderar o grupo “Nha Ana da Veiga”, que também fundou. À conversa com a Lusa, conta que o reconhecimento é bom, mas vem tarde.
“O batuque é uma tradição de que nós todos gostamos. Mas para mim a instituição de um dia nacional veio tarde, acho que devia ter sido há mais tempo”, começa por explicar, após o ensaio do grupo, constituído por um homem, um rapaz de 10 anos e 11 mulheres, a mais velha acima dos 60 anos, nas ruas de Assomada, concelho de Santa Catarina.
“Somos um grupo só de pessoas jovens, porque os mais velhos já ‘viajaram’ e nós tomamos a caminhada, para a tradição não acabar”, assume, sabendo que a mais antiga referência a este género musical em Cabo Verde remonta a 1772. Surgiu com a proibição do uso de tambores durante o período colonial, em que as mulheres passaram a ‘batucar’ em peças de tecido, que ainda se mantêm.
Contudo, “Juvenal”, o presidente do “Nha Ana da Veiga”, afirma que mais do que reconhecimento, estes grupos necessitam de apoio, nomeadamente do Estado, para juntar aos que já recebem de amigos e dos municípios, para custear a compra de fardas, instrumentos ou nas deslocações que fazem, entre as ilhas cabo-verdianas. Trabalho que ajuda a perpetuar a tradição do batuco.
O género carateriza-se essencialmente pelas mulheres, conhecidas como batucadeiras, que combinam percussão, canto e dança, em que a mulher é a corista e canta sobre o dia-a-dia, mas também sobre política e cultura, por vezes com crítica.
“Precisávamos de apoios para lançar CD no mercado, dar espetáculos noutros sítios e muitos dos membros do grupo não têm emprego. Por isso, se nos dessem algum subsídio ajudava um pouco”, admite, garantindo que após muitos anos de dedicação destes grupos amadores, aquela tradição, que surgiu precisamente no centro de Santiago e que os emigrantes levaram para todo o mundo, deixou de estar ameaçada.
“Não está em risco porque temos bom presidente e bons vereadores [do Município de Santa Catarina] que lutam connosco para a tradição não acabar. E os mais novos cada vez mais se interessam”, aponta.
Esta nova vida do batuco e das batucadeiras conheceu recentemente um reconhecimento nacional em Cabo Verde. O parlamento instituiu o dia nacional do Batuco, a assinalar anualmente em 31 de julho, conforme proposta de lei aprovada por unanimidade em março último.
Ana Oliveira, 48 anos, é presidente grupo de batucadeiras “Pé de Polon de Boa Entrada”, igualmente em Santa Catarina, coração do batuco, criado em 2013 a partir de uma associação de pais e encarregados da educação de uma escola local.
“Veio na hora certa”, afirmou.
Contudo, diz que é pouco: “Precisamos de apoio porque o batuco não é simples. Quando somos convidados para algum evento acho também que merecíamos algum apoio. Eu não tenho razão de queixa, mas acho que deviam ajudar mais, para a cultura ir mais além”, aponta, garantindo que a continuidade da tradição já está garantida pelos mais novos, mas sublinhando que fazem falta “mais apoios do Estado”.
“Todos os jovens gostam do batuco. É uma tradição que encontramos e vamos morrer e deixá-la para as outras gerações. Espero que continue assim, acho que não está em risco”, conta.
Um interesse que até vai levar à criação, dentro do grupo, de um outro, só para crianças. Será designado por “Filhos de Pé de Polon de Boa Entrada” e não faltam candidatos.
“É a prova que o batuque está vivo”, remata Ana Oliveira.
Atualmente, há dezenas de grupos de batuco em várias ilhas de Cabo Verde – mas também na diáspora -, mas sobretudo em Santiago, e realizam-se concursos e festivais regulares.
O ponto alto da divulgação internacional aconteceu em 2019, com a cantora norte-americana Madonna a gravar, cantar e dançar o tema “Batuca”, do álbum “Madame X” com um grupo de batucadeiras.
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