No que já é considerado o maior protesto contra o governo desde o Maleconazo de 1994 – protesto massivo na capital cubana que culminaria depois na crise dos balseros – ouviram-se gritos de milhares de pessoas de “liberdade” e “abaixo a ditadura”.
As marcha inicialmente pacíficas, que começaram em San Antonio de los Baños – pequeno município rural de 50 mil habitantes, a menos de 30 quilómetros de Havana – rapidamente chegou às redes sociais e deu origem a uma vaga de protestos que alastraram a meia centena de sítios em toda a ilha.
Miguel Díaz-Canel, presidente cubano, falou ao país ainda no fim dessa tarde através da televisão, e culpou os Estados Unidos de serem os responsáveis pela crise económica e sanitária que a ilha enfrenta, e incentivou ainda os seus apoiantes a ir para a rua. “A ordem de combate está dada: os revolucionários devem ir para as ruas”, referiu o chefe de estado, repetindo o apelo de Fidel Castro há 27 anos.
Nestes confrontos, mais de centena e meia de pessoas foram detidas pelas forças de segurança e vários agentes terão sido igualmente agredidos. Esta segunda-feira, as autoridades confirmaram a morte de um manifestante de 36 anos, em Arroyo de Naranjo, um dos bairros da capital, e também vários incidentes em outras cidades em que as patrulhas policiais têm sido atacadas à pedrada.
Porque é que milhares de cubanos saíram à rua para protestar?
Crise económica
Cuba já vinha a sofrer desde 2019 uma grave crise económica devido ao bloqueio dos EUA que já dura há quase seis décadas, e às sanções impostas pela administração de Donald Trump, a que se somaram as dificuldades financeiras resultantes da parceria que Havana tem com a Venezuela, cuja produção de petróleo está em queda livre.
Além disso, a pandemia que provocou o fecho das fronteiras provocou uma paralisação do turismo, um dos motores da economia cubana, o que obrigou o governo a adotar novas reformas, no início deste ano, para liberalizar alguns setores profissionais e permitir o acesso de mais de duas mil atividades à iniciativa privada. As coisas não deram o resultado esperado. Em 2020, o PIB encolheu 11%, o pior resultado em quase três décadas, e prevê-se que este ano a situação não melhore devido a uma inflação que pode atingir os 500%. Ou seja, o preço dos alimentos e dos produtos essenciais disparou, com os produtos a escassearem nas prateleiras das lojas e as filas de entrada a serem intermináveis. A última colheita de cana-de-açúcar foi apenas 66% do estimado de 1,2 milhão de toneladas para a safra, de acordo com grupo açucareiro estatal Azcuba. De acordo o presidente da Azcuba, Julio García, citado pela agência EFE, as causas destes números baixos estão ligadas a “deficiências organizacionais e de gestão”, equipamentos avariados, baixa qualidade da matéria prima e tempo perdido na colheita e transporte. As disfuncionalidades nos diferentes setores têm impacto direto no quotidiano dos cubanos, como sucede com os recorrentes apagões que indignam cada vez mais a população.
Crise sanitária agravada pela pandemia de Covid-19
Cuba, que teve a pandemia controlada nos primeiros meses de 2020, assistiu um inesperado surto desde o final de junho, com os casos positivos de Covid-19 – e de mortos – a multiplicarem-se de forma exponencial, colocando o sistema de saúde à beira do colapso. No último sábado, a ilha registou pelo terceiro dia consecutivo o maior número de novos casos – 6.923 – e de mortos – 47 – causados pela covid-19.
Este aumento nos números e a falta de dinheiro também se refletiram no sistema de saúde cubano, que está a ultrapassar por uma preocupante escassez de medicamentos. As farmácias já não dispõem de produtos básicos e os hospitais não estão a conseguir dar resposta às necessidades da população, havendo até relatos e queixas de negligência médica.Num vídeo publicado recentemente na rede social Facebook, um cubano relatou que a mãe morreu de Covid-19 depois de quatro dias a tentar transferi-la para um hospital, sem obter resposta.
Repressão no acesso à internet
Embora as restrições no acesso à internet sempre tenham sido um problema no país, os cubanos têm usado cada vez mais as redes sociais para ter uma fonte de informação diferente da oficial e para mostrarem o seu descontentamento em relação ao governo.
Os jovens, principalmente, com acesso ao Facebook, Twitter e Instagram, são os que mais se manifestam nestes meios, provocando um aumento na repressão, que ficam impedidos de se reunir e de se manifestar livremente, e também enfrentam vigilância e assédio policial.
O acesso à internet, que se generalizou a partir de 2018, também levou ao aparecimento de vários meios de comunicação independentes que se debruçam sobre assuntos que geralmente não aparecem nos órgãos de comunicação social controlados pelo Estado.
Os protestos deste domingo também são o exemplo da influência das redes sociais. No momento em que as imagens da manifestação foram transmitidas, milhares de cubanos em várias cidades do país vieram às ruas. O presidente chegou a pedir que o povo parasse de difundir essas informações, por considerar ser um incentivo à destabilização.