Em 2017, Michael Tubbs, presidente da Câmara da cidade de Stockton, na Califórnia, anunciava na televisão local que pretendia entregar uma determinada soma de dinheiro aos seus eleitores, dos quais mais de um quarto vive abaixo do limiar de pobreza. Perante o ceticismo de milhares de cidadãos, mais de quatro mil cartas foram enviadas aleatoriamente para pessoas que viviam em bairros com um rendimento anual inferior à média da cidade. Estas cartas incluíam um questionário de 100 perguntas sobre os mais variados assuntos, desde os níveis de stress da pessoa à sua frequência de utilização dos “check-cashing services” (serviços que permitem levantar dinheiro de cheques sem ter uma conta bancária).
Em janeiro de 2019, 125 pessoas foram informadas que tinham sido escolhidas para receber um rendimento mensal de 500$ (cerca de 410 euros), ao longo de 18 meses – estava dado o pontapé de saída do Stockton Economic Empowerment Demonstration. O dinheiro seria dado sem quaisquer exigências, sendo entregue num cartão de débito para ser gasto no que as pessoas entendessem. No entanto, estes gastos seriam controlados e posteriormente publicados no website do programa, para poderem ser consultados por qualquer pessoa interessada.
Corrida ao rendimento básico incondicional
Em 2016, Tubbs foi o primeiro presidente de Câmara de origem afro-americana eleito da cidade de Stockton. Com apenas 26 anos, o jovem político apresentava propostas focadas em erradicar a pobreza e desigualdades económicas da cidade, onde as famílias brancas recebiam cerca de duas vezes mais que as famílias afro-americanas. Nesse mesmo ano, Chris Hughes, cofundador do Facebook, lançou uma organização chamada Economic Security Project. Os seus principais objetivos eram a implementação de um rendimento básico incondicional para todas as pessoas, motivado pela crença de que a economia dos dias de hoje é injusta e, frequentemente, precária.
O projeto de Hughes reconhece que o rendimento básico não é a solução para todos os problemas económicos dos cidadãos e que não é suficiente para uma pessoa depender apenas do mesmo para viver. O seu objetivo era apenas garantir que as pessoas não ficavam tão vulneráveis a fortes choques económicos, como o impacto da crise da Covid-19, graças a esta fonte de rendimento. Assim, para pôr em prática esta ideia, o Economic Security Project precisava apenas de um local para a testar.
Quando Tubbs entrou em funções, as finanças de Stockton não estavam em boas condições e o seu nível de pobreza era o dobro da média nacional dos EUA. No momento em que tomou conhecimento do projeto de Hughes, que pretendia testar o rendimento básico com vários cidadãos, apresentou automaticamente a sua cidade como candidata. A seu favor jogava o facto de Stockton ser uma cidade adequada para o teste: é uma metrópole de tamanho médio dos EUA, com cerca de 300 mil pessoas, para além de ser uma das cidades mais diversas do país, com aglomerados de população hispânica, asiática e afro-americana na zona sul, que contrastam com a população branca privilegiada da zona norte.
O projeto político de Tubbs conquistou o Economic Security Project, com as suas medidas para ajudar adolescentes a ir para a universidade, auxiliar as pessoas em situação de sem-abrigo e diminuir o crime na cidade. Em agosto de 2017, a organização contribuiu com 1 milhão de dólares para o projeto de rendimento incondicional de Stockton, e ao longo dos seis meses seguintes conseguiram persuadir outra dúzia de associações e indivíduos a contribuir com mais de 2 milhões de dólares. No final deste esforço, tinham dinheiro suficiente para implementar o projeto na cidade.
Gastos em comida, renda da casa e… dentaduras
No início de 2019, o projeto foi implementado em Stockton. Os organizadores sublinharam que a experiência não estava a ser feita para encorajar os beneficiários a trabalhar: era dado assente que a maior parte dos residentes já trabalhava suficientemente, com profissões duras e longos horários de trabalho. Por outro lado, sendo que os 125 participantes vinham das zonas mais pobres da cidade, não era expectável que esta fosse uma amostra representativa da mesma.
Apesar de a recolha de dados do projeto ainda não estar completa, já foi possível avaliar os gastos das pessoas ao longo do ano de 2019. O dinheiro do rendimento básico incondicional foi dedicado a produtos que variaram desde dentaduras, reparações de carros e vestidos para bailes de finalistas a jantares de anos, rendas das casas e, especialmente, alimentação. De acordo com o relatório do estudo, as pessoas demonstraram menores níveis de stress, maior facilidade a trabalhar e melhores níveis de saúde, assim como mais tempo para dedicar à sua família. Ao todo, foi calculado que as pessoas gastaram cerca de 40% do dinheiro em comida e apenas 2% em cuidados pessoais e atividades lúdicas.
No entanto, o rendimento básico incondicional foi particularmente importante durante o confinamento de março na Califórnia, devido à Covid-19. Durante este período, os gastos em alimentos subiram para 46.5%, uma vez que as pessoas estavam a armazenar comida para possíveis casos de emergência – algo que não poderiam ter feito se não tivessem este rendimento extra. Foi precisamente devido às circunstâncias da pandemia que o programa foi estendido por mais meses, graças a uma doação de 400 mil dólares de Carol Tolan, uma filantropa nova-iorquina, de forma a garantir que estas pessoas não perdiam uma fonte de rendimento que se tinha tornado essencial para a sua sobrevivência.
Uma aposta para o futuro?
Tolan não se limitou a doar dinheiro para estender o projeto: também incentivou Tubbs a levar a ideia do rendimento básico incondicional para fora de Stockton. Em julho, o presidente da Câmara formou o grupo Mayors for a Guaranteed Income, um grupo de líderes que pretende lançar projetos semelhantes nas respetivas comunidades e lutar por mudanças de políticas a nível estatal e nacional nos EUA. O grupo começou com 11 membros e neste momento já conta com 25.
O rendimento básico incondicional pode vir a ser uma aposta a nível nacional, nos EUA. Ao longo da pandemia, o Congresso Americano passou uma série de apoios económicos para a população devido à crise da Covid-19, que garantiram a milhões de pessoas uma espécie de rendimento garantido – mas, ao contrário do rendimento básico incondicional, este tinha tempo limitado. Esta distribuição de apoios ao longo da pandemia também evidenciou alguns dos obstáculos à possível implementação de um rendimento básico incondicional: os apoios económicos foram distribuídos de forma lenta e desigual, e de forma excessivamente burocrática. As comunidades afro-americanas receberam metade dos apoios de candidatos brancos. Ainda assim, apesar destes entraves, estas injeções financeiras preveniram que cerca de 12 milhões de americanos caíssem na pobreza.
Os apoiantes de um rendimento básico incondicional nos EUA garantem que o país conseguiria pagá-lo, seja através de impostos sobre o rendimento, impostos sobre transações financeiras ou impostos verdes. Para além disso, a pobreza também custa dinheiro ao Estado: desde cuidados de saúde a custos de manutenção de prisões, por exemplo. De acordo com o Tax Policy Center, um rendimento básico universal para toda a população americana custaria cerca de 3 biliões de dólares – cerca de 2.4 biliões de euros. No entanto, também cortaria outros gastos que deixariam de existir perante a queda do nível de pobreza.
Esta não foi a primeira experiência bem-sucedida de um teste do rendimento básico incondicional: Em 2018, um projeto entregou quase 5 mil euros a 50 pessoas sem-abrigo no Canadá, que os utilizaram de forma racional em bens essenciais, como comida e renda, contrariando as teses que diriam que o dinheiro seria gasto em drogas ou álcool. Outros países, como o Quénia e o Irão, também têm testado estes programas. Se estes testes continuarem a ser um sucesso, o futuro poderá passar pela implementação progressiva de um rendimento básico incondicional em vários países do mundo.