Por mais que o tempo passe e que as organizações não governamentais (ONG) se desdobrem, os números parecem não melhorar. Depois dos ciclones Idai e Kenneth, que fustigaram o centro e o norte do país no ano passado, veio uma época de chuvas ainda mais grave do que habitualmente. E quando as famílias moçambicanas acreditavam que poderiam finalmente respirar um pouco, o coronavírus fechou as fronteiras do país, dificultando a entrada não apenas de ajuda humanitária mas também dos tão necessários turistas.
O último relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e do Instituto Nacional de Gestão de Catástrofes de Moçambique (INGC) revela que, atualmente, há 95 338 pessoas a viver em campos de reassentamento – mais 6 400 do que em dezembro passado. Mais de metade (54%) são crianças, sendo que os idosos representam apenas 6% dos desalojados. As províncias do centro do país, nomeadamente Sofala e Manica são, sem surpresa as que apresentam os números mais elevados.
Recorde-se que estas foram também as regiões mais afetadas pelo ciclone Idai, que em março do ano passado devastou aquela região, deixando um número de mortos que se estima próximo de um milhão e milhares de desalojados. O país ainda tenta reerguer-se daquela que foi a maior tragédia natural da História de Moçambique, mas a natureza parece não querer dar tréguas. O resultado: 76% dos desalojados (ou seja, 16 630 agregados familiares) ainda vivem em abrigos temporários. Mais de um ano depois, as soluções tardam mesmo em chegar.
O mesmo documento libertado pelas organizações internacionais revela que dos 71 campos de reassentamento atualmente ativados em Moçambique, 15 são acessíveis apenas por barco ou com veículos 4×4, o que dificulta significativamente o apoio aos agregados familiares ali presentes. No mesmo sentido, 51 dos campos revelam que a comida e o acesso a cuidados de saúde são as suas necessidades mais urgentes para suprir.
Ainda no topo das necessidades das famílias estão bens essenciais como colchões e mantas para dormir, utensílios de cozinha ou redes anti-mosquito. Produtos que as pessoas garantem não conseguir comprar por falta de dinheiro, numa altura em que a economia se debate com uma grave crise (o Standard Bank apontou recentemente para uma recessão de 0,9% e perdas exponenciais de emprego), e em que a agricultura, principal forma de sustento daquelas pessoas, não está a conseguir vingar – houve os ciclones, depois secas severas e depois chuvas torrenciais. Os terrenos estão saturados, as sementes desapareceram, as colheitas que vingaram foram insuficientes.
Também o acesso a água e saneamento básico continua a ser um problema, o que não ajuda em época de pandemia devido à Covid-19. E apesar de os números oficiais apontarem para ‘apenas’ 254 infetados no país, a verdade é que o número reduzido de testes dificilmente traçará um cenário concreto do impacto do novo coronavírus naquele território.
Em declarações recentes à Visão, o responsável da Helpo em Moçambique, Carlos Almeida, dava conta de que os hospitais e profissionais de saúde estavam a dar o seu melhor no combate à doença, e que as comunidades estavam comprometidas com as medidas de contenção, mas admitia que será difícil perceber os números reais do impacto da pandemia.
São várias as ONG presentes no terreno que se dedicam agora a combater a proliferação do vírus em Moçambique, tendo realocado recursos à linha da frente no combate à Covid-19.