É (ou era) uma das maiores marcas de lingerie do mundo, mas também das mais polémicas. E a crise por que passa não é muito recente. Depois de anunciar, no início de 2019, o encerramento de mais de 50 lojas, a Victoria’s Secret cancelou o seu famoso desfile anual, por onde passavam, todos os anos, manequins de topo como Adriana Liam, Naomi Campbell, Tyra Banks e a portuguesa Sara Sampaio, todas nomeadas “anjos” da marca.
Ao fim de mais de 20 anos de desfiles, os estereótipos preconizados pela marca começaram a ser muito pouco bem vistos pelo público e as vendas diminuíram consideravelmente. A VS não conseguiu acompanhar as novas definições de beleza e sensualidade, que mudaram ao longo dos anos, e que começaram a realçar o valor de todos os tipos de corpos, cores de pele e géneros. As campanhas publicitárias tornavam-se, muitas vezes, mais uma representação machista daquilo que os homens pretendem do que uma forma de mostrar como as mulheres podem e devem sentir-se bem em lingeries de todas as formas e feitios.
Além disso, em 2018, Ed Razek, ex-presidente e diretor de Marketing da Limited Brands (que detém a VS), não demonstrou qualquer interesse em escolher modelos plus size e transexuais para participarem no desfile. Mas estes não foram os únicos problemas vividos dentro do mundo da Victoria’s Secret, que envolve dezenas e dezenas de manequins de todo o mundo.
Uma investigação do New York Times denuncia, agora, várias situações de assédio desenfreado, bullying e intimidação praticadas pelos dois homens mais poderosos da marca, Ed Razek e Leslie Wexner, fundador da L Brands, não só às modelos, mas também a funcionárias. Através de entrevistas realizadas a mais de 30 atuais e ex-executivos, funcionárias e modelos, e do acesso a documentos judiciais, o jornal americano dá conta de que Razek foi, ao longo dos anos, alvo de repetidas queixas devido a conduta inadequada. Além de ter tenado beijar modelos e de ter pedido inúmeras vezes que se sentassem no colo dele, o ex-presidente tocou nas virilhas de uma manequim antes do desfile anual de 2018, situação que foi testemunhada e confirmada por mais três pessoas.
Vários dos executivos entrevistados terão, na altura, alertado Wexner para os comportamentos abusivos de Razek mas o fundador não só decidiu não agir perante as denúncias, como retaliou quem o fez: Andi Muise, modelo canadiana, garantiu, por exemplo, que a VS deixou de a contratar para os desfiles depois de ela denunciar os comportamentos de Razek. De acordo com a manequim, quando tinha apenas 19 anos, o ex-presidente tentou beijá-la várias vezes durante um jantar e, depois de ela ter resistido, recebeu, durante alguns meses, emails abusivos e com propostas indecentes.
“Este abuso foi visto e aceite como normal. Era quase como uma lavagem cerebral. E quem tentava fazer alguma coisa para contrariar esta conduta, não era apenas ignorado. Era punido”, denuncia Casey Crowe Taylor, que trabalhou como relações públicas da Victoria’s Secret e testemunhou a má conduta de Razek.
A ex-funcionária conta que, em 2015, durante um almoço organizado pela empresa, foi repreendida por Razek devido ao seu peso, tendo o mesmo referido que Taylor devia parar de comer pão e massa. A ex relações públicas garante que denunciou a situação aos Recursos Humanos, mas nada aconteceu. Algumas ssemanas depois, foi demitida.
Em 2018, durante o fitting de Bella Hadid para o desfile anual da VS, Razek, que assistia sentado, disse para a modelo “esquecer as cuecas”, já que a grande questão era se a ABC deixaria Hadid andar pela passerelle com “aqueles peitos perfeitos”. O momento foi confirmado pelas várias pessoas que se encontravam na sala.
Outros homens ligados à marca intensificam esta cultura de misoginia e assédio vivida dentro dela. A relação entre o financiador norte-americano Jeffrey Epstein, condenado por assédio sexual (e que se suicidou na cadeia em 2019), e Wexner, por exemplo, também é denunciada na investigação, já que, entre 1995 e 2006, altura em que trabalhou com o fundador da marca, Epstein tentou atrair jovens modelos com a promessa de lhes conseguir desfiles e outros trabalhos, como se fosse um recrutador. De acordo com vários documentos judiciais, em pelo menos dois desses momentos Epstein foi abusivo com as jovens modelos.
A L Brands está, agora, a passar por um momento muito crítico, com as suas ações a caírem mais de 75% em relação ao pico de 2015. Razek, agora com 71 anos, deixou a L Brands em agosto de 2019, depois de 36 anos à sua frente. Já Wexner, de 82, tem, supostamente, planos de vender a empresa e reformar-se.
Em resposta a perguntas diretas do New York Times, Tammy Roberts Myers, porta-voz da L Brands, fez uma declaração em nome dos diretores independentes do conselho, referindo que a empresa “está intensamente focada” em boas práticas de trabalho e conformidade e que já “fez progressos significativos”.
“Lamentamos qualquer caso em que não tenhamos atingido esse objetivo e estamos totalmente comprometidos com a melhoria contínua”, disse, sem negar qualquer das acusações reveladas na investigação.
Já Ed Razek respondeu por email, referindo que as acusações de que foi alvo “são categoricamente falsas, mal interpretadas ou tiradas de contexto”. “Tive a sorte de trabalhar com inúmeros modelos de topo e profissionais talentosas e tenho muito orgulho no respeito mútuo que temos uns pelos outros”, afirmou. Thomas Davies, porta-voz de Wexner, recusou-se a comentar a investigação.