As obras no Complexo de Saúde da Beira, em Moçambique, que foi reconstruído e ampliado pela Cruz Vermelha Portuguesa, terminaram no início deste ano. A organização humanitária decidiu antecipar a inauguração das instalações, prevista para 15 de março – data que assinala um ano passado do Idai – “porque não é também estranha a presença de Marcelo Rebelo de Sousa. A inauguração é como um complemento à visita do Presidente da República, uma espécie de paralelo em homenagem à visita que o Presidente da República de Portugal faz à Beira no dia 16 de janeiro”, revelou à VISÃO Francisco George, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa.
Marcelo Rebelo de Sousa está atualmente a realizar uma visita oficial a Moçambique, para marcar presença na tomada de posse de Filipe Nyusi, que foi reeleito para a presidência da República daquele país, nas eleições gerais de outubro passado. Da parte da agenda oficial do Presidente da República portuguesa faz parte uma visita à Beira, onde deverá encontrar-se com membros da comunidade lusa e ver como ficou a região após o ciclone.
Operação exemplar
Recorde-se que, juntamente com a Médicos do Mundo Portugal, a Cruz Vermelha desencadeou, logo após o Idai, a chamada Operação Embondeiro, “a maior de sempre em tempos de paz fora do continente”, e através da qual foi possível angariar mais de 2,8 milhões de euros para ajudar as vítimas do ciclone que devastou toda a região da Beira. A reconstrução e ampliação do Centro de Saúde, Maternidade e Unidade de Urgência de Macurungo representa um investimento de cerca de um milhão de euros, que Francisco George realça que devem deixar “muito orgulhosos todos os portugueses”.
“Trata-se, antes de mais nada, de um orgulho para todos os portugueses”, começou por dizer à VISÃO o responsável da CVP, em vésperas da sua partida para Moçambique, onde irá participar na cerimónia de inauguração do empreendimento. “Todos devem orgulhar-se daquilo que foi possível fazer em tão pouco tempo, e do tanto que foi feito desde que no 15 de março de 2019 a Beira foi atingida pelo ciclone”, continua.
“É impressionante a obra, reconstrução e ampliação, e arranjo de todo o espaço que acolhe uma maternidade e um centro de saúde de referência. Impressiona aquilo que foi feito durante nove meses”, aplaude Francisco George. O arquiteto responsável pelo projeto foi o português João Teixeira, da Câmara Municipal de Lisboa que, em conjunto com as autoridades moçambicanas e com os engenheiros da também portuguesa COBA, garantiu num tempo relativamente curto a possibilidade de abertura de portas da obra. A empreitada ficou a cargo de um português residente na Beira, salientou ainda Francisco George.
Este é “um complexo que é exemplar, modelo em qualquer país, porque está muito bem desenhado, com espaços funcionais que articulam a maternidade com o ambulatório, a farmácia e o centro de formação”. A CVP tem estado presente na Beira, ao longo destes meses, com várias equipas de saúde que dão formação aos profissionais em Moçambique, e essa é uma das valências que deverá continuar a existir, com o apoio de profissionais e alunos da Escola Superior de Saúde da CVP.
“Este é um aspeto importante: estamos a fazer esse trabalho desde o início, já estiveram 98 médicos e enfermeiros [portugueses na Beira], num trabalho de formação a pedido das autoridades de Moçambique”, realça Francisco George.
Transparência total
O projeto de reconstrução dos edifícios iniciou-se em julho do ano passado, depois de passado o período de emergência do ciclone Idai. Todo o investimento nesta obra foi possível graças aos donativos feitos por particulares e empresas durante, sobretudo, o período imediatamente posterior à passagem do ciclone.
Aliás, sobre os donativos e as doações, Francisco George fez questão de reforçar as práticas que a CVP tem implementado no que toca à transparência das contas e à comunicação de toda a utilização que é feita das verbas recolhidas.
“Estamos muito orgulhosos, repito, com a sinergia, a harmonia de termos conseguido juntar um montante muito elevado e ter as entidades a trabalhar no mesmo sentido, com a particularidade de toda a operação [Embondeiro] ter sido alvo de transparência absoluta. Todas as contas são verificadas por um Revisor Oficial de Contas (ROC), de forma a que a transparência seja exigida a um nível absoluto. E isso é importante porque as questões que a população colocou em Pedrogão têm que ter reposta”, aproveitou para afirmar o responsável.
Recorde-se que há cerca de um ano, uma reportagem da TVI deu conta de que teria havido várias irregularidades na doação de bens que foram feitas para auxiliar as vítimas dos incêndios de Pedrogão Grande, que vitimaram dezenas de pessoas e deixaram centenas de desalojados.
“Agora conseguimos atingir esse patamar, e as contas são revistas regulamente por revisores externos para além dos revisores da CVP. Isto é um sinal de qualidade e de transparência”, atira ainda Francisco George, admitindo que “a exigência é natural e é saudável. É, aliás, essencial que aconteça. É um aspeto que não pode ser ignorado!”, diz George. “É preciso responder de uma forma absolutamente clara e sem omissão nenhuma […] O dinheiro que não é nosso tem que ser usado ainda com mais cuidado do que se fosse”, atira em jeito de conclusão.
Por isso mesmo, este complexo representa, repete Francisco George, “um orgulho para cada cidadão português, que fica com a certeza absoluta da utilização das verbas. É uma questão de honra. Não é admissível qualquer falha, qualquer abuso, qualquer leviandade na aplicação do dinheiro que o povo português doou. É impossível haver qualquer tipo de má utilização”.
Necessidades mantêm-se
Dados do final do ano passado revelados pela UNICEF davam conta de que há ainda 500 mil pessoas a viver em casas destruídas ou bastante danificadas e em que o Instituto Nacional de Gestão de Catástrofes de Moçambique (INGC) revela que 1,1 milhões de pessoas não receberam qualquer assistência no que a abrigo diz respeito. Num relatório a que a VISÃO teve acesso, a UNICEF revela ainda que identificou mais de 780 mil crianças a precisar de ajuda, vítimas tanto do ciclone Idai quanto do Kenneth, que em abril atingiu a região norte do país. A malnutrição das crianças com menos de 5 anos e o acesso a água potável continuam a ser das principais preocupações da organização internacional.
Até março de 2020, época em que se espera que se consigam colher os primeiros frutos das primeiras colheitas possíveis após o Idai, as carências alimentares deverão continuar no topo das preocupações, numa altura em que milhares de pessoas vivem ainda em campos de reassentamento.
A inauguração do complexo de saúde na Beira permite, de alguma forma, restaurar alguma normalidade junto da população, e garantir acesso a serviços de saúde, que atualmente continuam também a ser dispensados em doses limitadas: nem todos os campos de reassentamento os têm, parte dos hospitais de campanha que foram montados durante a fase de emergência de resposta ao Idai já não existem, e os complexos de saúde que foram destruídos ainda não estão, na sua totalidade, funcionais.
O Centro de Saúde do Mucurungo e as suas unidades adjacentes foram construídos em betão armado, com as devidas fundações e fossas de escoamento, de forma a garantirem maior resiliência em caso de mau tempo. Aliás, recordava Francisco George à VISÃO, as chuvas intensas que se fizeram sentir no início de dezembro, na Beira, já permitiram testar a qualidade das novas estruturas.
“Fizemos esta obra com atenção para não fazer erros habituais que no passado se terão verificado. Não se trata de uma obra de fachada, mas de um trabalho com infraestruturas muito sólidas. Igualmente, tendo em atenção o meio tropical e há aqui que reforçar que não se repetiram erros passados em obras distintas, em iniciativas de cooperação distintas”, fez questão de sublinhar o responsável.
Assim, no próximo dia 17 de janeiro, os responsáveis da CVP vão “simplesmente retirar a Bandeira da Cruz Vermelha, ficando unicamente a bandeira nacional de Moçambique, uma vez que toda a obra é entregue ao Estado moçambicano”, esclareceu Francisco George.
Entre março e agosto do ano passado, a Operação Embondeiro permitiu realizar mais de 3 mil consultas de saúde, cerca de 1 500 cirurgias e mais de 130 partos, revelam os documentos que a CVP disponibiliza na sua página na internet. Os mesmos documentos mostram que, até agora, as maiores tranches do dinheiro angariado foram alocadas a material clínico e medicamentos, ao hospital de campanha e à reconstrução da unidade de saúde – na fase de emergência, uma parte substancial dos donativos foi alocada a passagens aéreas que permitiram ter 20 elementos em permanência no terreno, em equipas rotativas a cada 25 dias.