Vive-se neste início de 2020 um dos climas de maior tensão entre os Estados Unidos da América (ou “Grande Satanás”) e o Irão (país do “Eixo do Mal”), mas os dois países têm uma longa história de inimizade, agravada com o corte de relações diplomáticas declarado há 40 anos (e que ainda se mantém).
A História tem tendência a repetir-se, como sabemos, e para compreender o presente e antever o futuro há que olhar para o passado. Certo é que, tal como o general Qassem Suleimani foi determinante na consolidação do poder iraniano na região nas últimas duas décadas, a sua morte num ataque norte-americano em Bagdad terá nos próximos meses repercussões ainda difíceis de prever.
Suleimani determinou a estratégia de influência iraniana em diversos conflitos no Médio Oriente (Síria, Líbano, Palestina), sempre no lado oposto ao apoiado pelos americanos. Nos últimos anos tem sido assim – é como se o Irão estivesse em guerra permanente com os EUA, mas nunca de forma direta.
1979-1980
O fim do regime monárquico apoiado pelos EUA e o início da revolução iraniana, em 1979, são momentos-chave nas relações entre os dois países. O Xá Reza Pahlevi foi deposto, depois de ter sido colocado no poder com um golpe de Estado organizado pela CIA e pelo MI6, em 1953, e viaja para os EUA, para alegadamente receber tratamento médico. Milhares de estudantes e apoiantes do ayatollah Khomeini, que regressa do exílio, invadiram a embaixada dos EUA, tomando como reféns todos os funcionários.
1980
Vislumbrando uma possibilidade de vitória perante a situação instável em Teerão, Saddam Hussein ordena a invasão de território iraniano, a 22 de setembro. Iniciava-se a guerra Irão-Iraque, que só terminaria em 1990, depois de provocar mais de 500 mil mortos. Os EUA apoiam o Iraque militarmente e forçam um embargo internacional à venda de armas ao Irão.
1981
A crise dos reféns prolongou-se por mais de um ano. O presidente Jimmy Carter lançou uma operação militar de resgate, mas sem sucesso. Viria a perder a Casa Branca para Ronald Reagan e, horas depois da tomada de posse do novo presidente, o Irão libertou os 52 americanos que manteve prisioneiros durante 444 dias.
1986
Uma investigação do Washington Post revela que, apesar do embargo internacional em vigor e do apoio declarado a Saddam Hussein, os EUA venderam armas ao Irão, com mediação israelita. Ronald Reagan estava no seu segundo mandato presidencial e os inquéritos oficiais não conseguiram comprovar a participação do presidente, que negou sempre qualquer envolvimento.
A venda de armas teria sido acordada em troca de reféns norte-americanos, e parte do valor desse negócio com o Irão destinava-se a financiar os Contras da Nicarágua, grupos de rebeldes anti-comunistas que procuravam deter a revolução sandinista iniciada em 1979. O escândalo ficou conhecido como o caso “Irão-Contras”, e gerou grande consternação na opinião pública norte-americana.
Foram responsabilizados 14 funcionários, incluindo o então Secretário de Defesa Caspar Weinberger, e 11 foram condenados posteriormente com pena de prisão. Foram todos libertados com um perdão presidencial nos últimos dias do mandato de George H. W. Bush, que, à data dos acontecimentos, assumia a vice-presidência do governo norte-americano.
1988
O navio de guerra Vincennes atingiu “acidentalmente” um voo de passageiros do Irão. Os EUA dizem ter confundido o avião comercial com um jato da Força Aérea iraniana em posição de ataque. Morreram as 290 pessoas a bordo.
2002
O presidente George W. Bush declara que o Irão, com o Iraque e a Coreia do Norte, faz parte do “Eixo do Mal”, e acusa Teerão de estar a desenvolver um programa nuclear secreto.
2008
Bush aceita que os EUA participem nas conversações internacionais em Genebra para alcançar um acordo com vista ao desmantelamento do programa nuclear iraniano.
2009
Barack Obama diz que está disposto a estender a mão ao Irão, se o país “desfizer o punho” primeiro. Poucos meses depois, Reino Unido, França e EUA anunciam que o Irão estava secretamente a construir uma infra-estrutura para o enriquecimento de urânio.
2012
Os EUA aprovam novas sanções contra o Irão e vão também atrás dos bancos internacionais que movimentam os lucros da venda de petróleo iraniano, o que leva de imediato à queda do valor do crude, agudizando a crise económica no Irão.
2013
Hassan Rouhani é eleito presidente do Irão prometendo melhorar as relações do seu país com o mundo. Rouhani e Obama falam ao telefone: é o contacto ao mais alto nível entre os dois países em mais de 30 anos. O Irão assinaria depois um acordo internacional sobre armas nucleares, em troca de um alívio nas sanções económicas.
2016
O Irão liberta 10 elementos da marinha dos EUA que “acidentalmente” tinham entrada em águas territoriais iranianas, numa troca de prisioneiros acordada com Washington.
2018
Donald Trump determina a saída dos EUA do acordo internacional sobre armas nucleares e volta a reforçar as sanções económicas a Teerão.
2019
Em abril, os EUA colocam o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica na lista de “organizações terroristas”; em maio, o Irão anuncia que irá aumentar a produção de urânio enriquecido, contrariando o acordo internacional assinado; em maio e junho há vários ataques a petroleiros no Golfo e os EUA culpam o Irão, que nega a acusação; em junho o Irão abate um drone americano que teria entrado no espaço aéreo do país; em junho retém um petroleiro britânico no estreito de Ormuz; em setembro a companhia estatal de petróleo da Arábia Saudita é atacada por drones e mísseis. O dedo é apontado ao Irão, que nega qualquer envolvimento; em dezembro, um ataque a uma base militar internacional no Iraque mata um cidadão dos EUA. Os Estados Unidos culpam as milícias pro-iranianas no Iraque e lançam ataques, em retaliação, matando 25 elementos destas forças; na passagem de ano, as milícias do Hachtd al-Shaabi tomam de assalto a embaixada norte-americana em Bagdad.