Quase nove meses depois do ciclone Idai, há ainda 88,9 mil pessoas a viver nos 66 campos de reassentamento espalhados pelas quatro províncias atingidas pelo maior desastre natural da história de Moçambique: Sofala, Manica, Tete e Zambézia. Os dados foram libertados no final da semana passada pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Instituto Nacional de Gestão de Catástrofes de Moçambique (INGC).
Segundo o mesmo documento, consultado pela VISÃO, estes números representam 17 839 agregados familiares. Só as províncias de Sofala e Manica têm 86% da população que ainda não ainda teve possibilidade de arranjar um lugar para viver permanentemente.
Recorde-se que o ciclone Idai terá afetado mais de 1,8 milhões de pessoas e que, dessas, 146 mil ficaram sem teto. Os números agora revelados mostram que em nove meses só foi possível voltar a dar condições de abrigo, alimentação e de regresso à normalidade a 55 mil pessoas.
No mesmo sentido, os dados mais recentes mostram que 89% dos agregados familiares que estão em campos de reassentamento usam ainda abrigos de emergência, que foram fornecidos pelas autoridades e pelas organizações humanitárias que começaram a chegar ao terreno para prestar ajuda de emergência, em março do ano passado. Ou seja, apenas 1 797 famílias estão já em residências permanentes.
Estes números revestem-se de particular importância numa altura em que a época das chuvas está a começar no país, e quando há já alertas sobre formações de tempestades tropicais. O Instituto Nacional de Meteorologia de Moçambique lançou recentemente um alerta, informando que “está em formação um sistema de baixa pressão atmosférica no Oceano Índico a norte de Madagáscar. De acordo com as condições atmosféricas previstas, este sistema irá evoluir e atingir o nível de Tempestade Tropical Moderada a partir do dia 1 de dezembro de 2019. Prevê-se que a sua trajetória esteja em direção à província de Cabo Delgado, entrando no canal de Moçambique no dia 2 de dezembro com potencial de evoluir a Tempestade Tropical Severa e afetar as províncias de Cabo Delgado e Nampula no dia 4 de dezembro”.
De salientar ainda que o facto de 24% dos 66 campos de reassentamento só serem acessíveis através de barco ou de veículos 4×4, o que pode originar mais dificuldades assim que a precipitação atingir valores mais elevados.
Comida sobe para o topo das prioridades
Dentro destes centros – um deles, onde vivem atualmente mais de 2 000 pessoas, é liderado pela delegação portuguesa da Médicos do Mundo, que está em risco de ter que abandonar as comunidades por falta de verba – a maior necessidade é atualmente o acesso a comida. As sementeiras têm-se revelado falhadas devido aos caprichos da natureza (e dos solos, que tentam ainda recuperar de um período alargado de cheias logo seguido por um período de seca) e com o terminar de várias missões em terras de Moçambique os alimentos começam agora a escassear. No mesmo sentido, o aumento do preço dos produtos tem afastado muitas famílias da possibilidade de fazer face às ausências das machambas. Aliás, 86% das famílias afirma não poder, sequer, comprar produtos que não sejam alimentares precisamente por não conseguir pagar os valores que a falta de oferta fez disparar.
Para 10 840 famílias (ou 56% das pessoas que vivem ainda em centros de reassentamento) a principal necessidade, atualmente, é conseguir ter comida na mesa, enquanto 3 000 agregados registam dificuldades em acesso a água potável, revelam os mesmos dados da OIM e do INGC. Note-se que mais de metade dos desalojados são crianças, um dos grupos mais vulneráveis em situação de catástrofe – dados da UNICEF e do PAM revelam que os casos de malnutrição e fome deverão voltar a subir durante os próximos meses. A Helpo, cujos responsáveis falaram recentemente à VISÃO e que está no terreno desde abril deste ano, partilha dos mesmos receios. O Programa Alimentar Mundial (PAM) já garantiu que vai ficar no terreno a prestar ajuda incondicional até abril, mas depois disso ninguém sabe muito bem o que vai acontecer – sobretudo porque a maior parte das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) está a terminar as suas missões ou arrisca ficar sem verba para continuar no terreno.