“Toda a noite houve investidas dos malfeitores. Saquearam e queimaram tudo. Cabo Delgado chora”, resume em mensagem de texto a que a VISÃO teve acesso um residente da região. Na noite desta quarta-feira um grupo atacou a povoação de Tingina, no distrito de Nangade, a cerca de 100km de Palma, onde vários megaprojetos de exploração de gás natural estão a ser construídos de há uns meses para cá.
Segundo a agência Lusa, foram destruídos viaturas, mercadoria e habitações. Os atacantes incendiaram três camiões carregados de castanha de caju pertencentes a um comerciante que as iria vender noutro ponto da região.
Tal como a VISÃO escreveu recentemente, desde que os ataques violentos na região começaram, há já centenas de mortos – os números oficiais apontam para cerca de 300 óbitos – e milhares de deslocados, numa altura em que a província de Cabo Delgado não consegue garantir as condições mínimas de segurança e alimentação aos seus residentes.
Apesar de vários ataques serem reivindicados pelo auto-proclamado Estado Islâmico, teme-se que as motivações para toda a violência tenham mais a ver com política e negócios e muito menos com religião. Esta semana um antigo general sul-africano referiu à Lusa que acredita que a onda de violência tenha a ver com a influência política da minoria maconde na região. “Julgo tratar-se de diferendos entre os principais grupos tribais, dado que a influência dos macondes, agora no poder no país, são um grupo minoritário de cerca de 300 mil pessoas, mas que tem vindo a exercer muita influência na tomada de decisões políticas em seu favor, e por isso o surgimento de uma resistência à influência maconde que não está a contribuir para a estabilidade daquela região”, afirmou Johann Smith.

Habitações inteiras foram queimadas durante mais um ataque a aldeia a 100km de Palma
Recorde-se ainda que só plano de desenvolvimento da Área 1 da Bacia do Rovuma, em Cabo Delgado, a província mais a norte de Moçambique, está avaliado em 25 mil milhões de dólares – o dobro do Produto Interno Bruto (PIB) do país, segundo dados libertados pelo Executivo moçambicano no início do verão.
A expetativa é de que o gás seja exportado sobretudo para mercados asiáticos como a China, o Japão, a Índia, a Tailândia e a Indonésia, mas também para mercados europeus, através da Eletricidade de França, Shell ou a britânica Cêntrica.
Os projetos de gás natural devem entrar em produção dentro de aproximadamente cinco anos e colocar a economia do país a crescer mais de 10% ao ano, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras entidades.
Os trabalhos de engenharia e construção envolvem dezenas de empresas, algumas das quais portuguesas, e todas têm estado sob elevada pressão devido a estes ataques que não dão tréguas desde outubro de 2017. Entretanto, a norte-americana Anadarko tem referido que, apesar de haver funcionários atingidos – as instalações já foram alvo de ataques –, não há sinais de que os agressores visem o investimento, garantindo ao mesmo tempo que as medidas de segurança estão a acompanhar o evoluir das ameaças.