A organização não-governamental para o desenvolvimento (ONGD) Helpo prepara-se para enviar o sexto, e último, contentor de bens de primeira necessidade para Moçambique, ainda para responder às necessidades das populações afetadas pelo ciclone Idai, que em março destruiu grande parte da região centro do país. Com as 27 toneladas deste contentor, a instituição conseguirá fazer chegar a Moçambique 148 toneladas de produtos essenciais a quem tudo perdeu. Em declarações à VISÃO a coordenadora-geral executiva da Helpo, Joana Lopes Clemente, confirmou que esta missão deverá terminar em abril de 2020, e reafirmou as preocupações sobre a falta de alimentos no país.
A Helpo garantiu donativos de 281 mil euros para a campanha “Estamos prontos para ajudar Moçambique”, e começou os trabalhos na Beira a 1 de abril deste ano. Acabaria por repartir os seus esforços entre o centro e o norte de Moçambique, onde tem missão permanente (em Cabo Delgado e em Nampula), sobretudo depois da passagem do Kenneth, nem um mês depois do Idai. Com este montante, já foi possível reconstruir 18 salas em várias escolas, e apoiar 16 830 pessoas em várias vertentes. A Helpo distribuiu ainda 217 toneladas de bens em kits de sobrevivência.
Sobretudo vocacionada para a promoção do acesso à educação e para a educação comunitária, através da qual tentam melhorar o estado nutricional das populações, a Helpo aceitou também, no entanto, o pedido de ajuda das autoridades moçambicanas para levar a cabo rastreios nutricionais nesta missão de emergência e encaminhar os casos mais graves para os respetivos postos de saúde.
Os dados mais recentes da organização dão conta de que já foi possível efetuar 4 033 rastreios nutricionais junto da comunidade do Dombe, onde a Helpo está a trabalhar. Esta cidade, que pertence à província de Manica, foi a terceira região mais afetada pelo Idai. A ONGD realizou, no mesmo período de tempo, 1 036 consultas nutricionais e identificou 1 184 crianças a necessitar de reabilitação nutricional, e que foram encaminhadas para o Posto de Saúde ou para o Centro de Saúde do Dombe, onde as equipas da Helpo estão também envolvidas. O Centro de Saúde está atualmente a fazer as vezes de hospital (apesar de só ter seis camas disponíveis para internamento), garantindo atendimento 24 horas por dia, enquanto o Posto de Saúde funciona até às 17h.
A organização trabalha em parceria com a congregação das Pequenas Missionárias de Maria Imaculada, que gerem ambas as instituições de saúde que, atualmente, deviam servir cerca de 62 mil pessoas – muitas delas, deslocadas após o ciclone, foram-se juntando em volta daquelas duas estruturas que hoje “estão submetidas a uma pressão populacional” uma vez que “há mais desnutridos e mais pessoas a viver à volta do Posto Administrativo do Dombe”, continua Joana Clemente. E essa é a razão pela qual a Helpo vai tentar ficar no terreno durante mais um ano.
É que “ambos os edifícios têm acesso à eletricidade, mas esta não funciona, por diferentes motivos – no centro tem-se acesso à rede, mas não há dinheiro para pagar a mensalidade; no Posto o sistema de energia solar está obsoleto”. Por isso a Helpo, em parceria com a ONGD Tese, que trabalha na área de energia, água e resíduos, decidiram candidatar-se à linha criada pelo Instituto Camões, destinada a financiar projetos de Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento nas áreas da saúde, educação e segurança alimentar para a reconstrução pós-ciclones.
O objetivo é conseguir reabilitar o fornecimento elétrico destas duas estruturas, até porque parte do equipamento novo que as irmãs das Pequenas Missionárias de Maria Imaculada conseguiram comprar com outros financiamentos está sem funcionar devido à falta de luz. Se o projeto for aprovado pelo Instituto Camões, a Helpo mantém-se na Beira até dezembro de 2021, adianta Joana Clemente.
Violência e mais fome
Desde que partiu para a missão de emergência às vítimas do Idai, a Helpo enviou para o terreno quatro logísticos e oito nutricionistas. Atualmente, está no Dombe uma equipa de três pessoas, que só regressará a Portugal quando terminar a sua missão de três meses, tal como aconteceu com as que lhe precederam. A ONGD esclarece ainda que, independentemente do financiamento do Instituto Camões, continuará presente em Cabo Delgado e em Nampula, onde desenvolve a sua atividade há mais de 11 anos.
Ali, a instituição trabalha sobretudo com comunidades rurais, e tenta perceber junto dos cidadãos quais os pontos transformadores que podem ajudar alterar comportamentos – nomeadamente para conseguir fazer com que os mais novos permaneçam mais tempo na escola.
O trabalho mudou ligeiramente quando o furacão Kenneth atingiu a região, não só porque atingiu as comunidades com quem a Helpo trabalha mas também porque, durante dois meses, foi preciso fazer “um projeto onde demos assistência a emergência, sobretudo porque as agências maiores não estiveram lá”, conta Joana Clemente. Numa altura em que Cabo Delgado está envolta em incertezas, com vários ataques a serem reclamados pelo autoproclamado Estado Islâmico, o acesso a muitas zonas torna-se difícil, sem condições que garantam segurança. Durante 60 dias a Helpo fez “a distribuição de kits de sobrevivência nas populações que conhecíamos e os rastreios nutricionais para encaminhar para os postos de saúde. O problema é que ali havia ruturas de stock das fórmulas de tratamento nos postos de saúde”, revelou ainda a responsável.
É que apesar de esta fórmula ser financiada pela UNICEF e pelo Programa Alimentar Mundial (PAM), a distribuição é feita através de parceiros locais, que não se têm arriscado a aventurar em terras de Cabo Delgado, precisamente devido à incerteza e à insegurança que se têm feito sentir.
Esta é só mais uma razão que faz Joana Clemente acreditar que os tempos que aí vêm serão muito desafiantes, no que diz respeito ao problema da fome. Além de a UNICEF acreditar que podem surgir 38 mil novos casos de desnutrição no país – que se juntarão às atuais 334 mil crianças que sofrem de desnutrição grave – as organizações internacionais que têm estado a garantir, em muitas comunidades, a alimentação de famílias inteiras vão começar a abandonar o terreno. Aliás, o próprio PAM só prevê ficar em Moçambique até abril.
A dificuldade maior da Helpo, por isso mesmo, vai ser “aliar as práticas [que garantem a boa saúde nutricional das populações] àquilo que são as verdadeiras possibilidades das pessoas e dos lugares”, acrescenta Joana Clemente. “Porque às vezes as pessoas conseguem esmagar três amendoins e dar outro valor nutricional àquela farinha que comem habitualmente. Só que a grande questão é a maioria das pessoas nem tem acesso a esses três amendoins”.
“É preciso esperar para ver o comportamento da terra – há relatos de pessoas que, desde o Idai, já tentaram fazer duas sementeiras e não conseguiram colher quaisquer alimentos – e depois ver como corre também o desaparecimento das organizações que têm estado no terreno” a apoiar as comunidades em termos alimentares, alerta.