Mais de seis mil consultas, cerca de 460 vacinas administradas, 64 palestras, 900 casos de malária identificados. Em traços gerais, são estes os números da atividade levada a cabo pela Médicos do Mundo (MdM) Portugal no Centro de Reassentamento de Ndeja, em Nhamatanda, a cerca de 100 quilómetros da cidade da Beira. A equipa portuguesa, liderada por Ana Oliveira, ficou responsável por este centro no início de agosto, depois de a equipa da Médicos do Mundo espanhola ter regressado à sua missão em Cabo Delgado – região que em abril também foi afetada pelo ciclona Kenneth.
A instituição debate-se atualmente com dificuldades de financiamento da missão em Moçambique e prepara-se para abandonar o país no próximo mês, tal como a VISÃO noticiou recentemente. Ana Oliveira explicou à VISÃO que a organização precisa de cerca de €9 mil por mês para continuar a desenvolver as suas atividades de apoio e formação no Centro, o que significa que €100 mil garantiriam a sua presença por mais um ano.
“Em dezembro volto a Moçambique para dar àquela equipa a notícia de que vamos ter vir embora”, refere a responsável, visivelmente emocionada, apenas 48 horas depois de ter regressado do campo de Nhamatanda. “Vamos sair no próximo mês porque eu tenho que preparar a saída. Até isso tem que ser feito com tempo”, nota, embora mantenha a esperança de que possa ser possível regressar a Moçambique para continuar o trabalho que foi, entretanto, começado.
Milhares de pessoas ajudadas
Segundo os Boletins de atividade a que a VISÃO teve acesso, as equipas da MdM realizaram cerca de 2 000 consultas médicas por mês, entre agosto e outubro, tendo sido setembro o mês em que mais pessoas foram vistas: 1 342 adultos e 1 204 crianças passaram pelo Posto Sanitário do Centro de Reassentamento.
Os documentos analisados pela VISÃO mostram ainda que durante estes três meses foram detetados 1 624 casos de doenças em adultos, e identificados 2 126 casos de doença em crianças, e que 20 pessoas foram referenciadas para outras estruturas de saúde.
A Médicos do Mundo promoveu ainda diversas palestras sobre assuntos tão diversos como medidas de higiene, educação nutricional, malária e sarampo, revelam os mesmos boletins. As equipas da MdM têm também feito um acompanhamento personalizado das famílias que habitam o campo, tentando assegurar que vão começando a reconstruir a sua vida, aos poucos – seja através da construção de abrigos mais resistentes às intempéries, seja através da replantação das suas hortas, que são a principal fonte de alimentação das famílias moçambicanas, a par da farinha de milho.
Um dos indicadores mais curiosos do Boletim de outubro é o facto de o número de consultas de casos de Má-nutrição Moderada e Má-Nutrição Severa terem caído significativamente entre agosto e outubro, o que denota que as indicações das equipas médicas terão sido seguidas e terão tido sucesso. No mesmo sentido, foi possível manter o número de consultas de controlo de crescimento ao longo dos meses.
Estes são números particularmente relevantes numa altura em que a UNICEF acredita que mais de um milhão de crianças está ainda a precisar de assistência no rescaldo do Idai e que, dessas, 334 mil com menos de 5 anos estão a precisar de tratamento para malnutrição grave.
Recorde-se que atualmente estão neste Centro de Reassentamento 410 famílias, que perfazem um total de 2 025 pessoas que foram afetadas pelo ciclone Idai. A tempestade, considerada já a pior do século para aquele país, tocou a costa moçambicana no dia 15 de março deste ano, e deixou um número incontável de mortos – os últimos números oficiais aproximavam-se do milhar, mas acredita-se que terão sido muitos mais – e milhares de desalojados e deslocados.
Os números do Instituto Nacional de Gestão de Catástrofes (INGC) de Moçambique dão conta de que mais de dois milhões de pessoas foram, de alguma forma, atingidas pela força do Idai e pelas consequentes cheias que devastaram a região. Parte destas pessoas estão, oito meses depois, ainda bastante dependentes das ajudas prestadas pelas organizações humanitárias presentes no terreno.
A MdM Portugal chegou à Beira ainda durante o período de emergência do ciclone Idai, ao abrigo da Operação Embondeiro, uma iniciativa que juntou a MdM Portugal à Cruz Vermelha Portuguesa e que levou para o terreno mais de 200 toneladas de ajuda humanitária e centenas de pessoas para prestar auxílio às populações.