Era uma terça-feira como outra qualquer. Terça-feira, 29 de outubro, tal como hoje. Um dia de outono, a pedir agasalho, mas sem ameaças de tempestade no horizonte. Poucos poderiam prever o furacão que faria voar as maiores fortunas dos EUA em menos de nada.
Os corretores que negociavam na sala principal da Bolsa de Nova Iorque foram os primeiros a perceber o que se aproximava, na quinta-feira anterior, 24 de outubro de 1929. Depois de vários anos de especulação louca, surgiram demasiadas pessoas a vender ações – entre elas o homem mais rico do país, John D. Rockefeller -, e ninguém queria comprar por preços que batiam recordes de valorização. Por coincidência, o primeiro-ministro britânico Winston Churchil visitava a Bolsa nesse dia, e contaria mais tarde que era quase palpável o “pânico silencioso” dos corretores (até aí, era obrigatório manter silêncio durante as negociações…). Os preços caíram sem amparo nos dias seguintes, levando à falência centenas de empresas americanas e milhares de pequenos investidores.
Também muitos americanos da classe média e baixa haviam apostado em ações naqueles loucos anos 20, atraídos pelas muitas histórias que se contavam de gente sem nada que, de repente, ganhava o mundo. Eram professores, empregados de balcão, motoristas, que de um dia para o outro deixaram de ter investimentos e passaram a ter dívidas – dívidas incomportáveis, na maioria dos casos.
O desespero foi tal naquela “terça-feira negra”, como ficaria para a história, que os corretores já berravam uns com os outros, arrancavam gravatas, abandonavam os casacos pelo chão. Uma multidão de gente começou a juntar-se à porta do edifício da Bolsa, em Wall Street, procurando saber se o seu dinheiro estava a salvo.
No centro do mundo financeiro ficou famosa a história dos circunspectos recepcionistas do Ritz que terão terminado esse dia a perguntar aos clientes se desejavam um quarto para dormir ou para se atirar.
O vaivém da economia, alternando entre períodos de recessão e de expansão, marcaram sempre o curso da história. Mas este crash da Bolsa de Nova Iorque provocaria uma crise mundial sem paralelo, iniciando os anos da “Grande Depressão”, que durariam até final da década seguinte, quando se inicia a II Guerra Mundial.
As condições para criar esta “tempestade” foram profusamente estudadas nos anos que se seguiram. Seria importante perceber que erros tinham sido cometidos para que tamanha catástrofe financeira não voltasse a acontecer. Certo?
Vejamos: tudo começou com a eleição de Calvin Coolidge para a Presidência dos EUA, em 1924. O seu governo tinha como missão facilitar a economia liberal, reduzir a intervenção do Estado e baixar os impostos. A meta era criar um mercado livre e dinâmico. Todos eram incentivados a querer mais e melhor. A ter um carro, uma casa, os novos eletrodomésticos. Se os rendimentos do trabalho não chegavam, os bancos emprestavam.
As novas tecnologias, como a radiodifusão e os carros, eram as grandes estrelas da Bolsa, atraindo pequenos e grandes investidores. No livro “Salve-se Quem Puder”, o historiador britânico Edward Chancellor refere que uma ação da Radio Corporation of America, que em 1921 custava 1,5 dólares, valia 57 vezes mais em 1928. Os especuladores sentiam-se donos do mundo, e ignoraram todos os avisos. Empresas financeiras como a JP Morgan prosperavam, tudo parecia possível. Em setembro de 1929, o índice Dow Jones registou o seu pico máximo e o mercado reagiu: era hora de vender. O problema é que já ninguém queria comprar.
Em dois anos, faliram mais bancos do que nos 20 anos anteriores. Colapsaram gigantes como a General Motors. O Produto Interno Bruto caiu 60% e o desemprego passou a ensombrar os dias de um quarto da população.
Hora de apertar o cinto?
A especulação viria a criar uma nova crise preocupante em 1987, com o Dow Jones a atingir o índice mais baixo da sua história. Com o exemplo do crash de 1929 na memória, o governo federal americano atuou de imediato, estancando com milhões de dólares a sangria que ameaçava debilitar a economia.
Os especuladores terão aprendido a lição errada. Perceberam que, afinal, havia uma rede de segurança a amparar-lhes a queda, se um cenário semelhante se repetisse.
“A crise é inerente ao sistema capitalista”, como lembra Edward Chancellor. Haverá sempre um momento em que tanto a especulação como o crédito atingem os seus limites da expansão, levando a momentos de perda e retração. Esses ciclos estão, contudo, a tornar-se cada vez mais curtos e mais violentos na sua variabilidade.
Em 2008 e 2009 o endividamento excessivo e a especulação imobiliária viriam a criar um cenário em tudo semelhante ao vivido no outono de 1929. Quando rebentou a “bolha” prevista pelo Nobel da Economia Robert Shiller, os maiores colossos financeiros começaram a cair e os governos viram-se “obrigados” a intervir, um pouco por todo o mundo.
Dez anos depois, este professor de Economia em Yale diz que já vê outra vez bolhas “em todo o lado”. É o preço das casas que disparou, o endividamento das famílias e das empresas, as start ups que valem milhões hoje e nem um cêntimo amanhã. Numa entrevista recente à revista TIME, não poderia ter sido mais claro: “A questão não é se vai haver uma grande recessão; a questão é apenas ‘quando’.”