“As condenações de hoje marcam o primeiro processo bem-sucedido entre os principais executivos farmacêuticos por crimes relacionados ao marketing ilícito e à prescrição de opioides”, disse Andrew E. Lelling, advogado dos EUA, em comunicado. “Tal como faríamos com os traficantes de rua, é nossa intenção responsabilizar quem na indústria farmacêutica tem alimentado esta epidemia, distribuindo de maneira imprudente e ilegal estes medicamentos.”
A epidemia de opioides há anos que tem as autoridades americanas em alerta máximo. O recurso ao fenantyl, que chegou a provocar uma crise de saúde pública na vizinha Vancouver, no Canadá, provocando mais de 8 500 mortos entre 2016 e 2017, há muito que alastra por toda a América. O fenantyl, na sua forma ilegal, pode ser entre 50 a 100 vezes mais potente do que a morfina, segundo os responsáveis de saúde – e hoje, sabe-se, matam perto de 200 pessoas por dia só nos EUA.
John Kapoor, o homem de quem se fala, sempre quis dar a imagem de quem está de fora. “Estou envolvido nisto só porque sou um investidor. Mas não tenho nada a ver com as operações do dia a dia”, disse, em 2016, numa entrevista à Forbes.
Mas isso não impediu que, em outubro do ano seguinte, acabasse indiciado pelo Departamento de Justiça por extorsão e se visse envolvido numa enorme conspiração para subornar médicos, convencendo-os a prescrever o medicamento. Curiosamente, no mesmo dia, o presidente americano declarava a crise de opioides como uma emergência de saúde pública. Em novembro desse ano de 2017, Kapoor vinha a público declarar-se inocente.
No ano anterior, outros seis administradores da empresa também tinham sido acusados – dois deles, o ex-CEO Michael Babich e o ex-vice-presidente de vendas Alec Burlakoff, acabaram por se declarar culpados antes do início do julgamento. Os outros administradores acusados, como Michael Gurry, Richard Simon e Sunrise Lee também foram condenados.
No final de 2018, o património líquido de Kapoor, com base na sua participação na Insys Therapeutics – e ainda na empresa de medicamentos genéricos Arkor – já tinha caído abaixo dos mil milhões de dólares, pela primeira vez, desde que se juntara ao grupo dos bilionários do mundo, em 2013.
Uma das vidas ceifadas por esta epidemia, agora também recordada pela Forbes, é a de Sarah Fueller, 32 anos, que em março de 2016, foi encontrada morta pelo noivo, no quarto de casa. Segundo o médico legista, Sarah trinha tomado Xanax, para a ansiedade, e Subsys, a forma de fentanyl de ação mais rápida, entre os narcóticos mais potentes conhecidos pela medicina. É verdade que a combinação era perigosa, mas a família de Sarah acabou por acusar a Insys, fabricante desse Subsys. “Eles obviamente que não se preocupam com a vida humana”, acusou logo Debbie, a mãe de Sarah.
Subsys é o nome da ideia vencedora de John Kapoor, 73, um dos empresários de maior sucesso nos Estados Unidos – e o seu objetivo era juntar o fentanyl, um narcótico 80 vezes mais potente que a morfina, com uma tecnologia de pulverização que permitiria aos pacientes obter uma dose diretamente na língua. O objetivo, já o explicou, era aliviada a dor provocada pelo cancro – e esse é um assunto que Kapoor conhece bem: Edith, que foi sua mulher mais de 30 anos, acabou por não resistir a um cancro de mama metastático, em 2005.
O problema, alegam os críticos, é que as vendas da Insys chegaram facilmente a mais de 300 milhões só no ano passado porque a droga estava a ser usada por pessoas que não sofriam de cancro – e isso não estava sequer aprovado pela FDA, a agência americana que autoriza a comercialização de medicamentos.
Só que, em 2015, uma enfermeira do Connecticut acabou a dar-se como culpada de receber dinheiro da INsys para prescrever o medicamento a doentes que não sofriam de cancro. Pouco depois, um ex-representante da empresa no Alabama também se confessou culpado de ter pagado a dois médicos para prescrever o medicamento.