Uma funcionária de um infantário, no Norte do Japão, foi repreendida pelo chefe por não ter seguido à risca um calendário e ter engravidado antes da sua vez. Apesar de aquele país da Ásia ter graves problemas demográficos e de nos últimos anos ter irrompido um movimento contra o assédio na maternidade, o chamado Matahara, somam-se os casos de mulheres que foram vítimas de despedimento ou mesmo da ira dos colegas por não respeitarem um calendário imposto pelas empresas e que determina o momento em que cada funcionária pode casar ou ter filhos, dependendo do nível de antiguidade.
A história, relatada pelo The Telegraph, só se tornou conhecida porque o marido, de 28 anos, escreveu uma carta a um jornal japonês, dando conta de que teria mesmo ido com a mulher pedir desculpas pessoalmente ao chefe por terem procriado antes do tempo previsto. Mesmo assim, a esposa, que se sentia “triste e ansiosa” depois de descobrir a gravidez, foi repreendida e acusada de egoísmo perante os colegas. As baixas taxas de natalidade levaram muitos comentadores a criticarem a direção do infantário, alegando que estas regras violam os direitos humanos.
Outra mulher, de 26 anos, contou ao mesmo jornal japonês que a supervisora de uma empresa de cosméticos a proibiu de ter um filho antes dos 35 anos. A proibição veio acompanhada de um documento que circulou por email pelas 23 funcionárias e que calendarizava quando cada uma poderia engravidar e dar à luz. E não faltava o aviso: “O comportamento egoísta está sujeito a punição.” A mulher, com problemas de fertilidade, questionou: “Como vão eles assumir a responsabilidade se adiar a gravidez e perder as minhas hipóteses de ter filhos?”
Outro caso é o de uma funcionária de uma agência de publicidade em Tóquio, que até foi cautelosa e, depois de ver que todas as suas colegas tinham sido despedidas depois da gravidez, combinou previamente com o chefe a data em que poderia ter uma criança. Quando engravidou e quis começar a discutir a possibilidade de continuar a trabalhar durante a licença de maternidade, o patrão não estava disponível para aceitar essa opção: Michiko deveria considerar tornar-se dona de casa porque uma gravidez nunca lhe permitiria manter os mesmos ritmos de trabalho nem fazer horas extra. “Ele basicamente sugeriu que eu deixasse a empresa.” Sobre a promessa de que o seu posto de trabalho estaria à sua espera depois do parto, o patrão limitou-se a dizer que não se lembrava dessa conversa.
Basta olhar para os números para perceber que o problema é difícil de combater, mesmo com políticas para aumentar o número de mulheres nos locais de trabalho, como o primeiro-ministro, Shinzo Abe, tem feito, na tentativa de revitalizar aquela que é a terceira maior economia do mundo. Segundo um estudo de 2015 do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar daquele país, metade das mulheres japonesas que trabalha a tempo parcial sofreu algum tipo de assédio depois de engravidar, como bullying, despedimento, tratamento injusto ou abusos verbais. Já entre as trabalhadoras a tempo inteiro, o estudo concluiu que uma em cada cinco ficou sem trabalho com o anúncio da gravidez. Ao todo, quase 48% das mulheres disseram ter sido acusadas de “causar problemas”, 17,1% viram os seus bónus reduzidos e 15,9% foram pressionadas a sair voluntariamente da empresa. Na maior parte dos casos, o assédio foi exercido por um chefe do sexo masculino, mas em 20% das vezes os comportamentos discriminatórios vieram das mulheres com cargos de chefia.
“Presa por ter cão…”
No que respeita à igualdade de género, o Japão está no fundo de um ranking do Fórum Económico Mundial, ocupando o 114º lugar entre 144 países. As mulheres japonesas ganham em média pouco mais de 70% do salário de um homem que desempenhe as mesmas funções. Só 64% das pessoas do sexo feminino trabalham, contra 84% dos homens. Para combater a discriminação no emprego e pôr a economia a crescer, o primeiro-ministro impôs como meta que 30% de todas as posições de liderança, nos setores público e privado, sejam ocupadas por mulheres, até ao final da década.
Apesar de o primeiro-ministro defender uma sociedade “onde as mulheres possam brilhar”, muitas empresas japonesas ainda se mantêm agarradas a um conceito de “divisão de trabalho por género”, como explicou ao The Telegraph Brigitte Steger, especialista em estudos japoneses modernos na Universidade de Cambridge: “As mulheres são perseguidas e chamadas de ‘egoístas’ por terem filhos e tempo para cuidar deles, o que as torna desprezíveis para os seus colegas de trabalho; ao mesmo tempo, são criticadas por serem também egoístas se não tiverem filhos.”
Nos últimos anos, até uma empresa como a Japan Airlines, outrora na vanguarda da promoção do trabalho entre as mulheres, foi atingida por um processo de assédio na maternidade. Os debates públicos têm-se sucedido: se uns justificam estes atos com a cultura de trabalho de um país vítima de workaholism (onde se trabalha até tarde mesmo que não haja trabalho para fazer), outros falam de sexismo persistente.
No mês passado, uma investigação interna descobriu que a Universidade de Medicina de Tóquio avaliou mal as candidatas nos exames desde 2011, com a intenção de não admitir mais de 30% de alunas mulheres. Tudo porque não faria sentido apostar na sua formação quando elas abandonam a profissão depois de se casarem e de terem filhos.
Num país em que 70% das mulheres deixam o emprego quando engravidam do primeiro filho e só 40% regressam ao trabalho depois da licença de maternidade, de acordo com um estudo de 2015 da Confederação Japonesa de Sindicatos, a campanha para acabar com o assédio às mães tem sido reforçada na Justiça. Em 2014, o Supremo Tribunal tomou uma decisão histórica no caso de uma fisioterapeuta que tinha sido ameaçada e humilhada depois de pedir uma carga mais leve de trabalho durante a gravidez. O tribunal decidiu que é ilegal demitir uma mulher só porque está grávida. Um ano depois, o hospital foi condenado a pagar uma indemnização à mulher pelos danos sofridos.