Fake news, outra vez? O vídeo partilhado por um suposto movimento de ativistas feministas pode, afinal, não passar de um instrumento de propaganda do Kremlin. O alerta aconteceu dentro de portas, ou seja, através da revista russa Paper e ontem, dia 8 de outubro, pela organização europeia EU vs Disinfo, que tem por meta combater a desinformação e propaganda. Inicialmente divulgado no canal de televisão russo RT, que distribui conteúdos virais em várias línguas, o alegado protesto feminista contra homens que abrem as pernas e ocupam mais do que o seu lugar em transportes públicos – conhecido como “menspreading” – ultrapassou a fasquia dos seis milhões e meio de visitas, foi amplamente divulgada por orgãos de comunicação de todo o mundo e, acima de tudo, indignou muita gente.
Que legitimidade tinha Anna Dovganyuk, uma jovem ativista russa com 20 anos, para despejar o que foi descrito como lixívia entre as pernas dos incautos passageiros do sexo masculino? Soube-se agora que um dos protagonistas do vídeo, Stanislav Kudrin, foi efetivamente pago para desempenhar o papel de vítima, como o próprio acabou por revelar na sua página de Facebook.
Não há fumo sem fogo
Este é um daqueles casos em que faz sentido voltar à teoria da conspiração e perceber até que ponto ela tem lugar, por mais bizarra que seja. No contexto atual, em que o movimento #MeToo tem uma visibilidade grande, era expectável que o ‘manifesto’ tivesse um impacto negativo, até pelo “timing”. A ideia subjacente seria criar uma onda de reações inflamadas e negativas contra os movimentos feministas, aqui associados a condutas desproporcionadas, chocantes e, como tal, a condenar com veemência.
A suposta campanha de desinformação não é propriamente uma novidade, já que parece fazer parte do modus operandis das autoridades russas, ainda a braços com o nebuloso processo que envolveu a eleição do atual presidente norte-americano Donald Trump. Ensombrada até hoje por suspeitas da ingerência do Kremlin, através de manobras de manipulação da opinião pública nos media e nas redes sociais, a campanha presidencial e os resultados das eleições de 2016 ainda continuam a dar pano para mangas, por estarem longe de descartadas as implicações negativas dessas manobras para os candidatos, nomeadamente Hillary Clinton, a mulher que estava na corrida e a principal rival do então candidato Trump.
Trolls e as ameaças à democracia
Na berlinda está a Internet Research Agency, empresa russa especializada em fabricar trolls. O termo, oriundo da mitologia nórdica, começou a circular na Usenet para designar agentes provocadores motivados para gerar o caos e desestabilizar – algo que é hoje possível fazer com bots – através da divulgação de mensagens disruptivas e conteúdos de guerrilha em grande escala. A finalidade é levar as potenciais vítimas a perder a cabeça e envolver-se em desacatos e agressões nas caixas de comentários dos sites de notícias e nas plataformas onde são difundidas, como os media sociais. Esta empresa, juntamente com mais duas, esteve na mira dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, o que levou a justiça americana a indiciar mais duas entidades russas, acusando-as de fabricarem notícias falsas e manipularem os resultados eleitorais. Um caso sério e uma ameaça à democracia, tal como a conhecemos, e que está na génese do projeto da União Europeia para combate à desinformação e propaganda, ou seja, das infelizmente célebres fake news.