Quando o helicóptero de emergência abriu caminho pela densa Serra da Gorongosa e aterrou junto ao local onde Afonso Dhlakama definhava, já era demasiado tarde. O “pai” da Resistência Nacional Moçambicana morreu minutos antes, na tarde de 3 de maio, vítima de uma crise de diabetes, segundo adiantou à Agência Lusa um dos homens que o acompanhavam.
Foi o Presidente da República, Filipe Nyusi, que ordenou o envio do helicóptero, para lhe ser prestado apoio médico no estrangeiro. “Infelizmente, não me disseram que ele estava tão mal com mais antecedência”, lamenta num comunicado oficial em que trata por “irmão” o inimigo político.
Tinha 65 anos e deixa, além de oito filhos, um partido órfão. “A partir de agora, todos temos de ser Dhlakama”, declarou Ivone Soares, líder parlamentar da Renamo e sobrinha do histórico líder, pouco depois do anúncio da sua morte.
As cerimónias fúnebres decorrem com honras de Estado, ao abrigo do estatuto especial previsto na Constituição para o líder do segundo partido com maior representação parlamentar, mas não foi declarado luto oficial. As exéquias deverão prolongar-se até ao final do dia desta quarta-feira, 9 de maio, no campo desportivo do Ferroviário da Beira, local com capacidade para receber até 15 mil pessoas. Várias personalidades irão discursar em sua homenagem, cabendo ao Presidente da República o encerramento da cerimónia. No dia seguinte, decorrerá de forma mais recatada o funeral organizado pela família, em Mangunde, terra natal do dirigente da Renamo, na província de Sofala.
O LÍDER DA PARTE INCERTA
A história de vida de Dhlakama confunde-se com a da própria Renamo, fundada em 1975 como movimento “anti-comunista”. Assumiu a liderança em 1979, aos 26 anos, sucedendo a André Matsangaissa, morto pelas forças governamentais na Gorongosa – território que se tornaria quartel-general do partido da oposição até aos dias de hoje. Depois de 15 anos de uma bárbara guerra civil, que matou à fome mais de um milhão de moçambicanos,
Dhlakama assinou os Acordos de Paz com Joaquim Chissano em Roma, em 1992, depois de uma alteração à Constituição permitir o multipartidarismo. Contudo, as eleições que se seguiram nunca foram reconhecidas pela Renamo, acusando a Frelimo de manipulação dos resultados. O ponto alto da discórdia deu-se em 2000, nas presidenciais: Dhlakama obteve 47,71 %, Chissano 52,29%. Agravou-se, a partir de então, o estatuto de quase clandestinidade do maior partido da oposição e a partidarização dos órgãos do Estado.
Em 2013, um ataque das forças do governo à base da Renamo em Sanduigira levou Dhlakama a manter-se longe da família, “em parte incerta”. Em 2016 foi negociada uma trégua no conflito armado que opunha as duas forças políticas e o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa em 2017, num passo decisivo para a “paz duradoura” que ambos diziam querer alcançar. Este ano previa-se que Dhlakama regressasse a Maputo para assumir um papel honroso na cena política moçambicana, e a integração dos seus militares nas forças armadas nacionais.
O tenente-general Ossufo Momade, eleito líder interino da Renamo até ao próximo Congresso, já declarou que a Renamo honrará os compromissos anteriormente assumidos com Filipe Nyusi e a Frelimo. Neste momento, é ele o mais forte candidato à sucessão de Dhlakama – apesar de não ser uma figura carismática e conhecida do povo, é um dos históricos da Resistência e poderá pesar de forma determinante o facto de ser muçulmano, religião professada oficialmente por 20% da população e que tem ganho crescente peso na sociedade moçambicana.