Algemas contra bailes. Este foi no passado dia 7 o principal eixo do primeiro debate televisivo das eleições para o Governo autónomo da Catalunha, agendadas para 21 de dezembro (vulgo 21-D), depois de a 27 de outubro o primeiro-ministro Mariano Rajoy ter suspendido os órgãos regionais na sequência da declaração de independência aprovada pelo Parlamento catalão. No palco da TVE em Sant Cugat del Vallés, município da área metropolitana de Barcelona, estavam apenas cinco dos candidatos à presidência pelos sete partidos concorrentes, devido à ausência forçada do representante da Esquerra Republicana de Catalunya (ERC), o ex-vice-presidente da Generalitat Oriol Junqueras, preso em Estremera (Madrid), e do candidato do Juntos por Cataluña (JC), o ex-presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, refugiado em Bruxelas, que já não tem sobre a cabeça o mandado de captura internacional, retirado pelas escassas perspetivas de que resultasse como desejava o juiz, mas que nada impede que seja levado para a cadeia se puser os pés em Espanha. A cadeira de Puigdemont foi ocupada por um membro da sua lista, o ex-conselheiro Jordi Turull, que estava há quatro dias em liberdade condicional. O ambiente do debate ficava mais tenso de cada vez que Turull comentava os acontecimentos que ele e o seu ex-companheiro de cela, o também candidato a deputado Josep Rull, tinham visto na televisão. Esse insólito recurso retórico levou o intempestivo Xabier Albiol, candidato do Partido Popular (PP), a fazer graça com este entretenimento prisional. Mas como o PP é marginal na Catalunha e pode cair ainda mais no 21-D, Albiol não conseguiu provocar Turull com a sua piada, que momentos antes tinha protagonizado o momento decisivo do debate quando se virou contra o cabeça de lista do Partido Socialista da Cataluña (PSC), Miquel Iceta, para o acusar: “Tu estavas a dançar enquanto nós estávamos algemados!”
Turull fazia referência à humilhante transferência entre prisões, a 2 de novembro, de Junqueras e dos outros sete ex-conselheiros, com algemas postas e colocados em furgões da polícia sem cintos de segurança, enquanto alguns dos agentes que os transportavam punham a tocar nos telemóveis o hino de Espanha. Também aludia ao costume de Iceta dançar nos comícios. Essas danças serviram em 2015 ao hábil candidato socialista, um dos primeiros políticos homossexuais a sair do armário em Espanha, para se dar a conhecer, mas hoje são muito polémicas.
Ignorâncias e doidos à solta
O fogo cruzado contra Iceta por parte de Turull e do representante da Esquerra, Roger Torrent, libertou de pressão os que surgem à cabeça da alternativa unionista ou constitucionalista, os rótulos que se aplicam aos três partidos que defendem a unidade da Espanha e que pactuaram a intervenção da autonomia através do artigo 155 da Constituição: o PP, o PSC e o Ciudadanos. Esta última formação, criada em 2006 como um partido espanholista catalão e que em 2015 se estendeu a toda a Espanha pela mão de Albert Rivera, encontrou há dois anos uma poderosa alternativa ao líder. Trata-se de Inés Arrimadas, uma advogada de 36 anos, nascida na Andaluzia e casada com um antigo deputado nacionalista.
Apesar de viver na Catalunha apenas desde 2006, Arrimadas defende-se em catalão melhor do que o faz em castelhano Marta Rovira, a número dois da Esquerra Republicana, eventual substituta de Junqueras, com quem protagonizou um frente a frente antes do debate da TVE, no canal Sexta.
Arrimadas foi dada como vencedora deste frente a frente na Catalunha – e também a nível nacional – apesar da sua escorregadela quando o apresentador, Jordi Évole, perguntou a ambas qual é a taxa de desemprego na Catalunha. Dezanove ou 20 por cento, respondeu Arrimadas, enquanto Rovira fazia que sim, apesar de a resposta correta ser 12%. Em nenhum outro sítio duas candidatas iriam à televisão sem saber a taxa de desemprego, mas na Catalunha o processo independentista engole tudo.
No debate dos sete partidos na TVE, Arrimadas foi fustigada pela sua ignorância pelo cabeça de lista do Cataluña en Común (CC), Xavier Domènech, na sua luta inglória por encontrar um lugar entre os dois blocos, pois este partido, apoiado pelo Podemos de Pablo Iglesias, é contra a independência unilateral dos nacionalistas e contra a suspensão da autonomia pelos unionistas, defendendo um referendo negociado. Apesar de terem sido os mais votados nas eleições espanholas na Catalunha em 2015 e 2016, os dirigentes do CC estão a descer nas sondagens, ainda que apareçam em muitas como potenciais árbitros. Os unionistas não passam dos 61 deputados, sete abaixo da maioria, pelo que necessitariam do apoio dos “comuns”, que rejeitam essa solução e apostam num Executivo misto, com o ERC e o PSC, que ambas as forças não querem.
O primeiro debate desta campanha serviu também para apresentar ao grande público Carles Riera, o novo líder da Candidatura de Unidad Popular (CUP), a força independentista antissistema que teve a chave da governabilidade desde 2015 e que a conserva nas sondagens que dão uma maioria nacionalista. A CUP insiste na independência unilateral, a que levou Junqueras para a cadeia e Puigdemont para Bruxelas. Este último, por seu turno, mantém a cruzada contra Espanha na imprensa internacional, enquanto que Junqueras a suspendeu, quando estava atrás das grades. Mas Puigdemont vai melhor nas sondagens, em que o seu Juntos por Cataluña está a subir, quase alcançando a Esquerra, que tende a recuperar a unilateralidade da independência, apesar de Rajoy avisar que nesse caso a autonomia continuará em suspenso.
O resto da campanha promete. Os candidatos trocam insultos e chamam golpistas uns aos outros, enquanto se avolumam os rumores de que a justiça pode vir a acusar Marta Rovira e outros dirigentes independentistas de novos crimes. A ministra da Defesa espanhola, Dolores de Cospedal, dá o seu contributo e diz que há “um doido à solta em Bruxelas”, referindo-se a Carles Puigdemont, que é apresentado por alguma da imprensa de Madrid como um louco. Escusado será dizer que, até 21 de dezembro, ainda vamos ouvir coisas piores.
(Artigo publicado na VISÃO 1293, de 14 de dezembro de 2017)