Victory é um jovem nigeriano de 21 anos. Quis deixar para trás a corrupção da terra onde nasceu e procurar uma vida melhor na Europa. Fugiu da única maneira que soube: vendeu as suas posses e viajou até à Líbia, onde um “contrabandista” o esperava para o levar de barco até ao continente europeu, a si e a milhares de outros na mesma situação.
Nos dias que correm, são poucos os barcos de imigração que conseguem sair da costa africana devido ao crescente policiamento da guarda costeira. Os traficantes deram a Victory e a todos os outros, em troca de dinheiro, um sítio para passarem as noites e os dias até uma nova oportunidade surgir.
Mas um dia, o dinheiro acabou. E com ele, o resto de dignidade que Victory ainda possuía ao fim de um ano e quatro meses em movimento. Para além das condições de vida deploráveis, do abuso e dos maus tratos que já vivia, foi vendido para escravatura.
O dinheiro realizado por esta transação serviria para reduzir a dívida que tinha para com os traficantes, foi o que lhe foi dito. Várias semanas de trabalho forçado depois, o dinheiro não era suficiente. Victoryfoi entregue novamente àqueles que outrora lhe prometeram liberdade, e revendido diversas vezes.
Acabou por ser libertado. Encontra-se agora num centro de detenção para imigrantes ilegais, em Trípoli, onde espera a deportação de volta para a Nigéria. Outros, na mesma posição que ele, não tiveram a mesma sorte.”Gastei mais de um milhão [de nairas nigerianas, aproximadamente 2.360€]”, reporta Victory à CNN. “A minha mãe teve até de ir a algumas povoações pedir dinheiro emprestado a diferentes pessoas, para salvar a minha vida”.
A história de Victory não é única nem nova. Todos os anos milhares de pessoas passam pelos portos da Líbia, entre refugiados e imigrantes, na tentativa de chegar à Europa.
Naser Hazam, da Agência Anti-Imigração Ilegal de Trípoli, explica o processo a que já várias vezes assistiu. “Eles enchem um barco com 100 pessoas, essas pessoas podem ou não sobreviver”, explica. “[O contrabandista] não se importa desde que receba o dinheiro, e o imigrante pode chegar à Europa ou morrer no mar”.
Dada a sua localização estratégica, a Líbia é um dos principais pontos de saída de imigrantes ilegais para a Europa. Contudo, desde a queda política de Muammar Gaddafi, o território tornou-se caótico e os contrabandistas aproveitam-se diariamente da vulnerabilidade dos imigrantes, sem documentos e com poucas posses.
“A situação é terrível”, reporta o diretor de operações e emergências da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Mohammed Abdiker, após regressar da Tripoli.
“Algumas informações são verdadeiramente apavorantes e os últimos relatos de ‘mercados de escravos’ para imigrantes podem ser adicionados a uma longa lista de ultrajes”.
Contudo, até agora, os “mercados de escravos” que muitos imigrantes relatavam à organização careciam de provas concretas para que alguma medida internacional pudesse ser tomada. Nem mesmo os responsáveis pelos centros de detenção, onde os imigrantes aguardam a deportação, conseguiam confirmar os “rumores” ouvidos.
Anes Alazabi, supervisor do centro de detenção para migrantes de Trípoli, confirma-o. “Nós ouvimos os rumores, mas não há nada óbvio a acontecer à nossa frente. Não temos provas”, diz.
Agora têm. Em resposta a um vídeo enviado por “um contacto” que mostrava dois homens a ser vendidos para escravatura, a CNN viajou até à Líbia, onde gravou presencialmente um leilão de escravos imigrantes.
Foram compradas e vendidas cerca de uma dúzia de pessoas em seis ou sete minutos, relata a cadeia norte-americana, como se fossem mercadoria. Tudo se passou numa propriedade como outra qualquer, perto de Trípoli.
Veja o vídeo: