Mil e duzentos quilómetros de comprimento, mais de um metro de diâmetro e um irmão mais velho com muito sucesso. O Nord Stream 2 avança a um ritmo de três quilómetros por dia, submerso no mar Báltico, imune à crescente controvérsia política na superfície.
Afinal, o novo gasoduto – que liga directamente a Alemanha à Rússia, sem ‘portagens’ nos países do leste europeu – representa a negação de um dos pilares da união energética da UE: reduzir a dependência de Moscovo. Um terço do gás consumido na União Europeia (UE) tem origem na Rússia, um valor elevado e que se pretende diversificar com outras fontes. Ao mesmo tempo, o Nord Stream 2 mina o apoio europeu à Ucrânia traduzido em sanções consecutivas ao regime de Vladimir Putin desde a anexação russa da Crimeia.
No dia em que começar a funcionar, em finais de 2019, o Nord Stream 2 tem capacidade para substituir a rede de gasodutos que hoje atravessam a Ucrânia com destino ao mercado europeu. Moscovo poderá, então, fechar as torneiras ao vizinho hostil, privá-lo de energia e poupar nos generosos ‘royalties’ que paga ao Estado ucraniano (e a outros) pela passagem do gás.
O cenário não passou despercebido a treze países europeus e ao próprio presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, que em carta à Comissão avisou que o Nord Stream 2 permitirá a Moscovo “fechar a rota de trânsito pela Ucrânia, o que os deixará à mercê da Rússia”. O grupo pretende que seja Bruxelas a negociar com Moscovo o quadro legal do novo gasoduto, em vez de deixar essa competência nas mãos alemãs como aconteceu com a primeira versão do Nord Stream.
Os Estados bálticos, os mais críticos, acusam a Alemanha de permitir uma cooperação energética reforçada com a Rússia enquanto eles se debatem para corrigir a herança da ocupação soviética. A entrada em cena da Comissão pode obrigar à separação da actividade entre o transportador de gás e o fornecedor – as mesmas regras que fizeram a Rússia abandonar a construção do South Stream, um gasoduto sob o Mar Negro que uniria o território russo à Bulgária.
Angela Merkel, num primeiro momento, resistiu a ceder a tutela à Comissão Europeia. Se por um lado a chanceler alemã é a maior patrocinadora das sanções europeias ao Kremlin, e também uma das críticas mais vocais à política de Putin, por outro lado, Merkel tem sido a madrinha discreta da aproximação energética à Rússia e, pelo caminho, de transformar a Alemanha na principal porta de entrada do gás russo na UE. Ou seja, no distribuidor de gás número um da UE, com responsabilidade para fornecer outros mercados europeus e até os de leste.
“Algumas questões legais [do Nord Stream] precisam de ser clarificadas. Mas é um projecto económico e penso que não é necessário um mandato extra”, disse Merkel. As empresas alemãs Uniper e Wintershall, a holandesa Shell, a austríaca OMV e a francesa Engie entraram com 10% cada, enquanto a estatal russa Gazprom assume 50% do financiamento do gasoduto avaliado em 9,5 mil milhões de euros. “Nós decidimos quem nos fornece energia e como o fazer”, reagiram os ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e Áustria, em comunicado conjunto de 15 de junho.
A Alemanha, apesar da aposta em energias renováveis, depende em 39% do gás da Rússia, em 35% do seu petróleo e em 29% do seu carvão, de acordo com instituto Carnegie. O Nord Stream foi inaugurado em 2011, já durante o segundo mandato da atual líder alemã, e estava a 80% da sua capacidade no ano passado. Segundo esta empresa, liderada pelo anterior chanceler Gerhard Schröder, o novo gasoduto conseguirá abastecer mais 26 milhões de famílias.
O grupo dos 13, que pedia a intervenção de Bruxelas, acabou por vencer esta semana, ainda que o mandato só deva ser atribuído após o verão e, muito provavelmente, depois das legislativas alemãs marcadas para setembro. “Não acreditamos que este seja um projecto económico viável. É um projecto político e contrário à segurança da região”, defendeu o ministro dos Negócios Estrangeiros da Letónia, Edgar Rinkevics.
A interferência decisiva dos EUA intoxicou ainda mais o braço de ferro que opõe a Alemanha aos países nórdicos e do leste. Ao renovar as sanções ao Kremlin, o Senado norte-americano ampliou na última semana a lista de alvos para as empresas que apoiem os “pipelines de exportação russo” – o que inclui as parceiras europeias do Nord Stream 2. A medida alarmou de imediato Berlim. “É no mínimo estranho”, reagiu o porta-voz de Merkel.
De novo numa resposta conjunta dos chefes da diplomacia, Viena e Berlim alertaram que “não só é lamentável, como pode reduzir a eficácia da posição sobre o conflito na Ucrânia, se em vez de uma acção conjunta prevaleceram interesses separados, como os objectivos económicos dos EUA nas exportações de gás”. Moscovo foi mais directo ao acusar Washington de, através desta legislação, querer aumentar as exportações de gás liquefeito natural para a Europa. “Onde os EUA vêem uma ameaça russa, a Europa vê energia barata e de confiança”, escreve Luke Mackle, do Centro Davis para os Estudos sobre a Rússia e Euroasia da Universidade de Harvard, no Washington Post.
No G20 da próxima semana, em que Merkel será a anfitriã, mais que a posição dos EUA no combate às alterações climatéricas (Acordo de Paris) vai estar em cima da mesa a velha discussão sobre a geopolítica dos combustíveis fósseis.