No dia em que o milionário Elon Musk anunciou ao mundo que estava a fazer testes para lançar uma nave para Marte, Jeff Bezos enviou, via twitter, as imagens do seu novo projeto, o New Glenn, um superfoguete com capacidade para sair da órbita terrestre.
Após anos de secretismo, Jeff Bezos, apesar de discreto, não quis deixar Elon Musk sem resposta. Estava oficialmente aberta a corrida a Marte. Quase cinco décadas depois da corrida ao espaço, em plena Guerra Fria, os protagonistas desta vez não são nações, mas sim milionários que conquistaram a suas fortunas nas novas tecnologias. Jeff Bezos é o dono da Amazon e o quinto homem mais rico do mundo, enquanto Elon Musk é o criador do sistema de pagamento PayPal e o atual patrão da Tesla, o fabricante de automóveis desportivos totalmente elétricos.

E quando se esperava uma guerra a dois, eis que surge um inesperado concorrente: Dennis Muilenburg, presidente executivo da Boeing, vem a público garantir que a sua empresa será a primeira a cortar a linha da meta. “Estou convencido que a primeira pessoa a por um pé em Marte chegará lá a bordo de uma nave da Boeing”, afirmou.
Elon Musk não só aceitou o desafio como saudou os novos concorrentes: “Não tenho qualquer motivação para continuar a acumular fortuna a não ser para investir na construção da vida multiplanetária. Acho que é muito melhor para o mundo se existirem várias empresas ou organizações a construir uma nave interplanetária. Quantos mais melhor”.
Mas, afinal, qual o objetivo de gastar tanto dinheiro para uma missão que ninguém sabe se será ou não viável?
Está tudo em aberto. Desde os voos comerciais à exploração de minérios, passando pelo turismo. Dennis Muilenburg, por exemplo, vê o turismo espacial a desabrochar nas próximas duas décadas, podendo tornar-se num mercado com imenso potencial. “A Estação Espacial Internacional pode ser ocupada por dezenas de hotéis e por empresas que queiram fazer pesquisa ou fabricar produtos com ausência de gravidade. Acho que é uma excelente oportunidade para a Boeing”, esclarece.
Elon Musk tem uma visão mais arrojada. No início desta semana, o patrão da Tesla revelou que a sua intenção é colonizar Marte com um milhão de pessoas dentro de 40 a 100 anos.
Para tal, pretende construir enormes redomas de fibra de carbono e vidro com a atmosfera controlada. O processo começará com o envio da nave Dragon que fará a investigação inicial naquele planeta. Arranjar forma de extrair água será um dos primeiros passos da missão. Não só para consumo humano, como para garantir um sistema de energia (que poderá passar pela extração do hidrogénio da água).
Numa fase posterior, serão enviados drones para construir um sistema de túneis onde ficará instalada toda a parte industrial da base em Marte, que já foi apelidada de Base Alpha.. Mais tarde, darão início à construção dos alojamentos para as pessoas. A primeira missão será composta por doze elementos que irão desbravar o caminho para os futuros colonos. Mas Musk já alertou que a viagem será difícil e que a primeira tripulação “terá de estar preparada para morrer”.
Com os pés na terra
Jeff Bezos não vai, pelo menos por enquanto, tão longe como Elon Musk. O seu primeiro objetivo é criar um sistema de transportes no espaço. Esta semana, Rob Meyerson, presidente executivo da Blue Origins, a empresa que controla o projeto espacial de Jeff Bezos, abriu um pouco o véu da estratégia que estão a seguir: “quando tivermos milhões de pessoas a viver e a trabalhar no espaço, queremos que elas possam deslocar-se para outros destinos. Marte será um desses destinos. A Lua será outro. O projeto que temos em mão está a ser desenvolvido para essa visão de longo prazo”. Para Bezos, a questão essencial é tornar este turismo espacial mais barato. E está a consegui-lo.
“Para ir a Marte necessitaremos de naves maiores que a Estação Espacial Internacional. Grandes foguetes, como a New Glenn, conseguem transportar peças maiores de uma só vez, o que reduz o número de viagens necessárias para desenvolver um determinado projeto. Tornam-se assim mais eficientes e seguras”, diz David Hewitt, um cientista especializado em foguetes, em declarações à revista Wired.
Por exemplo, se um grupo hoteleiro quiser construir uma estância turística no espaço, o maior custo que terá será o do transporte dos materiais. A Falcon Heavy, de Elon Musk, necessita de três viagens para transportar a mesma quantidade de material que a New Glenn carrega numa só. “Além disso, há menos acoplagens, menos peças para juntar no espaço e menos processos de pilotagem que podem gerar falhas. É mais confiável”, salienta o mesmo especialista.

Sendo maior, os materiais que a integram não necessitam, em termos relativos, de ser tão grossos com as das naves mais pequenas, o que faz com que sejam mais eficientes em termos de gasto de combustível. A nave de Bezos está também a ser preparada para poder aterrar e reutilizar os foguetes. Mais um trunfo do dono da Amazon no que se refere a tornar as viagens espaciais mais baratas.
Tributo a Armstrong
Os nomes das naves que estão a ser produzidas pela empresa de Bezos, a Blue Origin, mostram o processo de evolução que o empresário pretende fazer na conquista do espaço. A primeira delas foi a New Shepard, que já fez os primeiros testes de voo, em homenagem a Alan Shepard, o primeiro norte-americano a ir ao espaço num voo suborbital, em 1961. A segunda será a New Glenn, nome dado para honrar John Glenn, o primeiro astronauta a viajar em órbita da Terra, em 1962. A New Glenn já foi apresentada, mas o seu primeiro voo em órbita só deverá acontecer dentro de dois ou três anos.
Recentemente, num conferência sobre o espaço em Guadalajara, no México, Jeff Bezos levantou o véu sobre o seu mais novo projeto: a New Armstrong. Será claramente um tributo a Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar o solo lunar, em 1969. E, a avaliar pela evolução dos nomes das naves e daquilo que conseguem fazer, será com a New Armstrong que Jeff Bezos pretende por a primeira pegada humana no solo de Marte.
Os senhores que se seguem
Também Paul Allen, o 40º homem mais rico do mundo, com uma fortuna de 15 mil milhões de euros, quer ter uma palavra a dizer nesta batalha. A sua empresa é a Vulcan Aerospace. Em 2004 contratou Burt Rutan, talvez o mais conceituado engenheiro espacial da atualidade, e criou a SpaceShipOne, o primeiro veículo comercial a chegar ao espaço. Depois da experiência, vendeu a tecnologia a outro milionário, Richard Branson, dono da Virgin, e focou-se noutras áreas.
O seu projeto principal é o StratoLaunch, aquele que será o maior avião do mundo, com uma envergadura de asa maior do que um campo de futebol. Este terá capacidade para subir a cerca de 12 km, transportando debaixo de si um foguete que será lançado no espaço quando o avião atingir a altitude máxima, reduzindo substancialmente os custos de lançamento.
Richard Branson, por sua vez, quer criar a primeira companhia espacial com voos comerciais. Muitos acharam que era loucura, mas o facto de existirem 700 pessoas que já pagaram 250 mil euros para garantir um lugar nessas viagens, deram algum otimismo a Branson: “Não sei se é da nossa cultura, se é do nosso DNA, ou talvez dos dois, mas o ser humano está formatado para explorar”.