Aos 42 anos, Devin Nunes detém um recorde. É o congressista mais novo de sempre a presidir ao comité que fiscaliza os Serviços de Informações, o House Permanent Select Committee on Intelligence (Intel). Republicano da Califórnia, é eleito, desde 2003, pelo Vale de San Joaquin, onde uma comunidade portuguesa possui boa parte das explorações agrícolas, como a criada pelos avós de Devin, emigrantes da ilha açoriana de São Jorge. Nomeado pela Administração Bush para um alto cargo no Ministério da Agricultura, escolhido em 2010 pela revista Time como uma das 40 estrelas da política americana com menos de 40 anos, Nunes tem-se oposto quer ao encerramento quer à redução de efetivos da base das Lajes. A VISÃO entrevistou-o por telefone, numa altura em que tem agendada uma vinda a Lisboa, em outubro, para um debate promovido pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento sobre as atuais eleições presidenciais.
Em que ponto vai o debate no Congresso sobre as Lajes?
Tínhamos pedido ao Departamento da Defesa um relatório sobre as bases na Europa, que incluía as Lajes. O relatório veio a ser rejeitado pelo Congresso por ter falhas, e a seguir foi devolvido ao inspetor-geral da Defesa. O Congresso deu à Defesa uma oportunidade para emendar a informação errada, mas isso não sucedeu. O relatório foi rejeitado por mim, enquanto presidente do Intel, e pelos presidentes das outras comissões que se relacionam com a Defesa. Assim, o inspetor-geral está agora a conduzir o que poderá tornar- -se uma investigação criminal, já que alguém mentiu ou induziu em erro o Congresso.
Em 2015, um grupo de 112 congressistas conseguiu suspender a instalação em Croughton, perto de Londres, do Joint Intelligence Analysis Complex (JIAC). O uso das Lajes para instalar esta estrutura continua a ter adeptos no Congresso?
O presidente do Comité de Supervisão, Jason Chaffetz, esteve nas Lajes com uma delegação de Congressistas, republicanos e democratas, que tem conduzido esta investigação e que esteve com o presidente do Governo Regional dos Açores. A questão que temos pela frente não é saber se o Departamento da Defesa mentiu ao Congresso sobre as Lajes. Isso é um dado adquirido. Tem de apurar-se é quem fez isso e porquê.
Quando fala em induzir em erro, refere-se à despesa? É verdade que sairia muito mais barato instalar o JIAC nas Lajes do que no Reino Unido?
Há cinco anos, o Congresso soube que as Lajes deveriam ser fechadas e opôs- -se energicamente a essa hipótese. E, quando começou a ser feito o balanço sobre as diferentes bases na Europa, nós fomos sempre da opinião de que as Lajes podiam ajudar a poupar muito dinheiro aos EUA.
Em janeiro de 2015, o Departamento da Defesa veio ter comigo e outros congressistas e disse: “Já analisámos tudo e a solução será, afinal, reduzir para 150 o número de efetivos.”
O maior projeto que estamos a instalar na Europa é o JIAC. O Congresso tem vindo a acompanhar esta iniciativa, porque representa um investimento muito avultado. Portanto, quando o Departamento da Defesa foi ao Congresso dizer que tinha ponderado tudo e que a solução seria a referida redução de efetivos, perguntei se tinham avaliado o que poderia poupar- -se se o JIAC fosse instalado antes nas Lajes.
E o que concluiu?
Basicamente o que induzia em erro era eles dizerem que se poderia fazer uma poupança extraordinária com a redução de efetivos nas Lajes, mas, quando compararam a hipótese de instalar o JIAC em Croughton ou lá, não entraram em consideração com a diferença do custo de vida nos dois locais. Cada pessoa que está em missão no estrangeiro recebe um subsídio para alojamento e comida. Em Londres, esse subsídio é cerca de 5 mil dólares por mês, enquanto nas Lajes é de 1 500 dólares. Portanto, por cada pessoa que colocamos em Londres gastamos mais 2 mil a 4 mil dólares por mês do que nas Lajes. Os militares não só omitiram esses dados nas contas que nos apresentaram, como deram informações erradas sobre a situação das instalações, que estariam em mau estado.
O argumento básico para fechar as Lajes seria a nova conjuntura internacional, em que a Ásia surge como prioridade. Agora, a preferência dos EUA na Europa seria a base espanhola de Morón, perto de Sevilha. Isso é assim?
Prefiro pôr a questão de outra forma. O mundo em que o Presidente Obama pensou que íamos entrar não se confirmou. A previsão que fez revelou- -se um fracasso, já que a realidade foi no sentido inverso. A al Qaeda está maior do que nunca, o ISIS também, o islão radical está a espalhar-se pelo mundo. Até os russos estão a expandir- -se mais do que durante a Guerra Fria, com o reforço da presença na Síria. Usam uma base e colocam submarinos no Atlântico. Portanto, os Açores não perderam importância, antes pelo contrário. Os chineses, muito inteligentes, estão a reconverter ilhas em porta-aviões permanentes. E os nossos líderes militares têm tomado decisões dúbias, devido às opções da Administração. O próximo Presidente terá, de facto, de reconsiderar todas as bases na Europa. E precisaremos de uma liderança forte para avaliar a situação. Confio que o general Scaparrotti, novo responsável pelo Comando Europeu da NATO, consiga tomar as decisões enérgicas que se impõem.
Vão eleger um novo Presidente em novembro. Quem foi o seu candidato nas Primárias?
Por causa do meu lugar de presidente do Intel, decidi manter-me fora das Primárias. Os candidatos têm acesso a alguma informação no setor que dirijo e quis ficar numa posição de imparcialidade.
O Partido Republicano não parece estar a atravessar uma boa fase. Qual é a sua posição sobre isso?
Aquilo que está a verificar-se no Partido Republicano é o retrato do que se passa no mundo. Em todo o lado, e presumo que em Portugal, as pessoas estão descontentes porque veem um crescimento económico muito, muito lento desde 2007. Ainda agora se viu o descontentamento com o Brexit. Entre nós, os oito anos desta Administração traduziram-se em perdas do ponto de vista internacional e económico. Talvez estejamos melhor do que outros países, mas o resultado é muito pobre. E, da parte dos Democratas, viu-se como os apoiantes de Bernie Sanders se queixaram de que não tinha sido uma eleição justa. Nós republicanos tivemos 17 candidatos, portanto umas Primárias muito disputadas, e acho que foram eleições justas.
Donald Trump seria o seu candidato?
Como disse, não apoiei ninguém nas Primárias e anunciei que apoiaria quem fosse nomeado. A escolha da Convenção foi Donald Trump e, logo a seguir, pus-me à disposição do seu staff, para o aconselhamento que julgasse necessário. Mas o meu lugar obriga-me a lidar em pé de igualdade com os vários candidatos. Agora vamos ter três debates, que serão fundamentais. E quero ajudar o meu candidato a tornar-se um candidato melhor e o mais bem preparado possível.
A pergunta era ligeiramente diferente.
Mas não tenho problema em responder. No final do processo (as Primárias), o povo falou. E talvez, no contexto que é o Partido Republicano, Donald Trump não esteja 100% de acordo comigo, mas os outros candidatos também não estavam. Numa primeira fase, as pessoas ficam descontentes, mas depois aceitam. E Trump pode melhorar. Uma das razões que o levou a conseguir bons resultados é ele afirmar coisas que os outros candidatos nunca dizem. Portanto, vamos passar uns bons tempos até ao fim do ano.
Os EUA têm estado a negociar com a União Europeia um acordo de comércio livre, o TTIP. O resultado dessa iniciativa será o mesmo, quer seja Trump ou Hillary Clinton o próximo Presidente?
Creio que os grandes tratados multilaterais estão neste momento em dificuldades. Antes de presidir ao Intel, dirigi o Comité de Comércio de que, aliás, ainda sou membro. Por isso, tenho estado muito envolvido nestas negociações do TTIP.
Mas todos os candidatos estão contra os grandes acordos multilaterais.
Ainda não falei com Trump sobre isso. Não conheço, portanto, as suas intenções, mas sei que tem falado sobre acordos bilaterais. E agora, com a questão do Brexit, há um movimento nos Estados Unidos a defender um acordo bilateral com o Reino Unido. As negociações continuam, mas são sempre coisas que demoram muito tempo e não acredito que seja aprovado no próximo ano. Assim como não excluiria que venha a ser assinado, dentro de alguns anos, qualquer que seja a próxima Administração.
Falou no Brexit. Os EUA vão perder o seu principal aliado dentro da União Europeia. Quais serão as consequências disso?
É realmente difícil de prever. Creio, aliás, que as pessoas na Europa estão em melhores condições para isso do que eu. Mas o Reino Unido nunca largou a libra, portanto sempre esteve dentro e fora. Sem pretender ser um perito, parece-me que não haverá alteração significativa. Creio que o Reino Unido tentará conseguir um divórcio tão amigável quanto possível.
Mas, para os EUA, não fará diferença perder este aliado?
O Reino Unido é um dos nossos aliados mais fortes, especialmente na Defesa, e essa rede de defesa irá manter-se. A NATO precisa de melhorias e o Reino Unido vai continuar a ser parte dela. Enfim, creio que o mundo aguentará a decisão tomada. Tudo vai depender dos nossos líderes e da forma como vão gerir esse divórcio.
A União Europeia está neste momento com vários problemas. E creio que a saída do Reino Unido é até uma questão menor. Pelo menos, quando comparada com o grande problema que é, da minha perspetiva, o que fazer com um milhão de refugiados no seu interior. Muitos dos quais podem ser terroristas, ou serem recrutados por terroristas, ou virem, com o tempo, a tornar-se terroristas. O risco do islão radical dentro da União Europeia deve ser levado a sério.
Mas virão assim tantos terroristas entre os refugiados?
Não sou eu que acho. São factos. Sabemos que o ISIS e a al Qaeda estão a usar o programa de refugiados e a encontrar formas de entrar legalmente na Europa. As palavras não são minhas, mas do diretor do FBI ainda recentemente. E há pelo menos dois anos que os Serviços de Informações vieram dizer isso ao Congresso, que estavam terroristas a entrar na Europa. Creio que a União Europeia ignorou em boa parte este problema, até aos recentes atentados.
Numa entrevista à CBS disse que os EUA estão hoje a enfrentar “o maior nível de ameaça de sempre, incluindo após o 11 de Setembro”. Qual é a sua proposta para combater o terrorismo?
Devemos sentar-nos com os nossos aliados, com os parceiros europeus e com outros estados dispostos a ajudar, para delinear uma estratégia de longo prazo. A primeira fase deve centrar- -se no Norte de África, em particular a Líbia. É uma região com barreiras geográficas, como os desertos, que separam as cidades. Portanto, são mais fáceis de controlar. Países como Portugal, Espanha ou Itália estão certamente interessados na estabilidade dessa zona.
O segundo passo deve ser a criação de uma força árabe neutra, para a região da Síria e Iraque. Deve haver uma força liderada pelos Estados Unidos e outros países, que tentem combater a corrupção política constante a que se assiste no Médio Oriente. Creio que o melhor que poderia passar- -se seria a criação de um conjunto de áreas federadas independentes, que assegurassem a estabilidade e ajudassem a combater o ISIS. Mas não creio que a segurança na Síria ou no Iraque seja uma realidade a curto prazo. E tem de fazer-se mais no Afeganistão.
Em que sentido?
Não penso que devamos voltar a ter no Afeganistão uma força com a mesma dimensão de há três anos, mas precisamos que seja suficiente para garantir a segurança, designadamente na zona da fronteira com o Paquistão.
Pela nossa parte, precisaremos de arranjar para todo este plano uma liderança que se mantenha estável durante alguns anos. Na II Guerra Mundial, tivemos pessoas como os generais McArthur, Patton, Eisenhower, que dirigiram as operações durante vários anos. Creio que teremos agora de ir para uma solução semelhante.