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Fotos: Mahdi Ehsaei
Os iranianos conhecem bem o rosto (maquilhado de) negro de Haji Firuz, o arauto do Nowruz, o Ano Novo Persa, que desfila pelas ruas, cantando e desejando boas novas. Poucos saberão, porém, que este personagem é a continuação de tradições da era sassânida, quando escravos negros entretinham audiências com música e dança.
“O olhar e o modo como os trovadores que hoje personificam Haji Firuz cantam e dançam evocam a fisionomia e o dialeto africanos”, diz o fotógrafo alemão-iraniano Mahdi Ehsaei sobre uma figura que depois da abolição da escravatura no Irão, em 1928, ainda entoa rimas como “Meu Senhor, eleva a tua cabeça/ Meu Senhor, olhe para si próprio/ Meu senhor, por que não ri?”
Haji Firuz foi um dos rostos negros que levou Ehsaei, 27 anos, a ir ao encontro de uma comunidade “desconhecida e ignorada”, no sul do Irão. O outro foi um homem que o cativou no estádio de Hafeziyeh, na cidade de Shiraz.
“Em 2010, nas férias de verão, visitava os meus avós quando fui assistir a um jogo de futebol”, conta à VISÃO, por e-mail, o autor de Afro-Iranians, um livro de fotografias que tem merecido aplauso internacional. “A equipa adversária vinha de Hormozgan, e o chefe da claque era um iraniano de pele negra que animava os jogadores de uma forma que eu nunca vira. Gravei o momento em vídeo e decidi conhecer estes iranianos com raízes africanas.”
Ele e boa parte dos habitantes do Irão desconheciam a existência desta comunidade instalada há séculos no país: “Tive dificuldade em encontrar documentação visual sobre esta minoria. Que injustiça. A sua história exige uma plataforma global que lhes dê a visibilidade devida. E foi o que fiz.”
O termo “afro-iranianos” terá sido cunhado por Behnaz Mirzai, que há duas décadas estuda a comunidade. A maioria destas pessoas desconhece as suas origens e toma como “insulto” serem consideradas “africanos”, afirmou a historiadora ao site Middle East Eye “Designam-se por ‘negros do Sul’, atribuindo a pele negra ao calor abrasador nesta região.”
De um modo geral, os afro-iranianos estão integrados na sociedade, tal como os restantes grupos étnicos: azeris, curdos, árabes, arménios ou baluchis. No Sistão e no Baluchistão, falam baluchi, língua local. Em Hormozgan, falam bandari.
Também misturam tradições africanas com a cultura iraniana, em particular o misticismo sufi. Um dos seus principais rituais, num país de maioria muçulmana xiita, é a cerimónia do “Zar”, semelhante a danças tribais na Tanzânia ou na Etiópia. Serve para “exorcizar espíritos e demónios”.
“É importante salientar que nem todos os escravos na Pérsia eram africanos e que nem todos os africanos chegaram à Pérsia como escravos”, esclareceu Ehsaei. “A Pérsia também tinha escravos do sul da Rússia e do Cáucaso do norte, enquanto alguns marinheiros africanos vieram para trabalhar no Golfo Pérsico. A partir do início do século XVI, portugueses e espanhóis ocuparam gradualmente as ilhas de Qeshm [Queixume] e Ormuz, de grande interesse estratégico. A ocupação da costa africana ocidental deu aos portugueses acesso ao comércio de escravos, que controlaram durante os mais de cem anos que dominaram o Golfo Pérsico.”
Muitos dos afro-iranianos descendem desses escravos: bambassis, núbios e habashi. Os bambassi ou zanj, vieram de Zanzibar (atual Tanzânia), e países vizinhos – possivelmente Moçambique e Quénia (Mombaça). Os núbios vinham da Núbia e da Abissínia. Os habashi eram originários da Etiópia.
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Armin e Reza são primos que vivem em Ghader Khani, uma das aldeias de Bandar Abbas. Ambos representam bem a diversidade étnica e cultural do Irão
Foto: Mahdi Ehsaei
A principal fonte de inspiração de Mahdi Ehsaei foi Antoin Sevruguin, iraniano-arménio. Nasceu e morreu em Teerão (1830-1933). De cidadania russa, foi o primeiro a documentar os muitos grupos étnicos e demográficos na atual República Islâmica. A sua reputação de retratista fez dele um dos fotógrafos oficiais da corte do xá qajar Nasser al-Din.
Para fotografar os afro-iranianos em Hormozgan, no Estreito de Ormuz, Ehsaei esteve na região durante dois meses. A capital da província é a cidade portuária de Bandar Abbas, que os portugueses conheciam por Cambarão. “Alguns mostraram-se desconfiados; outros, sobretudo mulheres, recusaram colaborar. Procurei a naturalidade, para que as imagens fossem autênticas, não encenadas.”
No prefácio de Afro-Iranians, escreve Joobin Bekhrad, diretor da revista cultural REORIENT: “Em vez de apresentar espécies bizarras para chamar a atenção, Mahdi Ehsaei faz o contrário, mostrando simplesmente iranianos. Talvez os orientalistas se sintam desiludidos. O ‘elemento’ iraniano destaca-se no facto de esbater questões como raça, cultura e cor da pele. Não há nada de ostensivamente ‘afro’ nas pessoas fotografadas nem nas paisagens captadas, exceto em pormenores superficiais. Este é um projeto que celebra as muitas dimensões da cultura iraniana, antiga e vasta, multifacetada e rica.
Texto: Margarida Santos Lopes
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Maryam vai às quintas-feiras vender vegetais e fruta ao mercado em Minab, uma povoação a 100 quilómetros de Bandar Abbas. Ao seu lado, as outras mulheres cobriram o rosto para não serem identificadas
Foto: Mahdi Ehsaei