“Hoje ninguém acredita em mim mas eu não sabia nada”. A frase é de Brunhilde Pomsel, hoje com 105 anos, que entre 1942 e abril de 1945 foi secretária de Joseph Goebbels. “Era apenas um trabalho”, disse à correspondente em Berlim de The Guardian.
O motivo para a conversa é a longa, rara e, provavelmente, última entrevista da única sobrevivente do círculo mais restrito do poder nazi. As 30 horas de gravação deram origem a um documentário de cerca de duas horas, produzido na Áustria e que estreou no festival de cinema de Munique, em junho.
Brunhilde Pomsel admite que trabalhou no coração do sistema de propaganda nazi. As suas funções passavam por subestimar as estatísticas sobre o número de soldados alemães abatidos na guerra e sobrestimar as violações de mulheres alemãs por soldados do Exército Vermelho. “É importante para mim, quando vejo o filme, reconhecer aquela imagem no espelho na qual posso entender o que fiz de mal”, diz. “Mas, na verdade, nada mais fiz do que datilografar no gabinete de Goebbels.”
Pomsel vê-se a si própria como um produto da disciplina prussiana. O pai, militar na Iª Guerra Mundial, era um homem ríspido e autoritário. Se desobedecessem, ela e os três irmãos, eram “espancados com o espanador de tapetes”, recorda. Quando regressou da guerra, o pai mandou retirar todos os penicos dos quartos. “Se quiséssemos ir à casa de banho, tínhamos e enfrentar todas as bruxas e maus espíritos da casa até chegar à sanita”.
A mulher que espera viver apenas “mais uns meses do que anos” e hoje, cega, está confinada a um lar em Munique, começou a trabalhar como estenógrafa para um advogado judeu, em Berlim, onde nasceu. Depois de se ter inscrito no partido nazi, conseguiu emprego na estação de rádio estatal. Em 1942, alguém a recomendou para o ministério da Propaganda. “Apenas uma doença infecciosa me teria detido. Eu estava lisonjeada, era um prémio por ser a mais rápida datilógrafa da estação de rádio”, afirmou à jornalista de The Guardian.
Brunhilde insiste que não tinha conhecimento das deportações dos judeus. “Não sabíamos de nada, tudo era mantido em segredo”, conta. E não reconhece ter sido ingénua ao acreditar que os judeus desaparecidos eram enviados para a Checoslováquia para repovoar territórios abandonados. “Nós acreditávamos, nós engolíamos isso, parecia completamente plausível”.
Como secretária de Goebbels, Brunhilde participou no comício do Palácio dos Desportos de Berlim, após a derrota militar alemã em Estalinegrado. A intenção do ministro da propaganda de Hitler, um homem de baixa estatura, que coxeava, era levantar a moral dos alemães. “Nenhum ator poderia ter sido melhor na transformação de um homem civilizado, sério num rufia… No escritório ele tinha uma espécie de nobre elegância e depois vê-lo como um anão furioso – não se pode imaginar um maior contraste”.
Brunhilde passou os últimos dias do regime nazi protegida na cave do ministério da Propaganda. Foi ali que soube do suicídio de Hitler e de Eva Braun. Um assistente de Goebbels informou-a que também o seu chefe cometera suicídio, juntamente com a mulher, Magda, depois de matarem os seis filhos (com idades entre os 4 e os 12 anos, todos envenenados com cianeto pela mãe). Presa pelos soviéticos, Brunhilde passou cinco anos em campos de detenção soviéticos, a descascar batatas, a coser sacos da lavandaria e a lavar roupa. “Não foi uma cama de rosas”, diz.
Depois de ser libertada, a ex-secretária de Goebbels voltou a conseguir emprego numa estação de rádio. Quando o seu chefe se mudou para Munique, Brunhilde acompanhou-o e continuou a trabalhar para ele, como secretária, até à sua reforma, em 1971.