Há menos de um ano, Yanis Varoufakis disse que a Europa precisava de uma “sacudidela”. Ninguém o levou muito a sério. Nessa altura era apenas mais um quixotesco apoiante da candidatura de Alexis Tsipras à presidência da Comissão Europeia. Como a realidade demonstrou, o líder do Syriza não tinha condições para reunir consensos e suceder a José Manuel Durão Barroso em Bruxelas. Mas o economista nascido em Atenas há 53 anos já tinha percebido que a política e o poder se iriam cruzar no seu caminho. Era uma questão de tempo e de responsabilidade. “Quando o líder de um partido [Tsipras] prestes a governar te oferece a oportunidade de pôr em prática políticas que andas há anos a defender (…) seria pura cobardia ignorar o desafio. Vou ter êxito? Só saberei se tentar”, explicou Varoufakis ao jornalista espanhol Luis Martin, responsável pela publicação online Trumanfactor.com. Uma entrevista concedida dias antes da vitória do Syriza nas eleições legislativas antecipadas na Grécia, a 25 de janeiro.
Vedeta no Twitter
Desde então, o antigo aluno de matemática, estatística e economia na Universidade de Sussex, no Reino Unido, converteu-se numa celebridade mediática. Ao tornar-se ministro das Finanças do executivo chefiado por Alexis Tsipras, Varoufakis é hoje o rosto das reivindicações gregas contra a austeridade. Em duas vertiginosas semanas, o polémico e prestigiado professor da Universidade de Austin, no Texas, Estados Unidos, triplicou o número dos seus seguidores no Twitter (são agora quase 200 mil), deu dezenas de entrevistas (algumas às maiores cadeias de TV do planeta) e reuniu-se com vários dos seus homólogos europeus para os sensibilizar para a necessidade de se “aliviar o fardo” da dívida helénica e resolver a “crise humanitária” dos seus compatriotas. Algo que ele conhece como poucos. Afinal, foi consultor do antigo primeiro-ministro socialista Giorgio Papandreou – entre 2004 e 2006, do qual se tornaria depois grande crítico -assistiu à forma como as finanças públicas resvalaram para a bancarrota e passou os últimos anos a zurzir os planos de resgate protagonizados pela troika. Há 10 meses, quando o FMI, o Banco Central Europeu (BCE) e a Comissão Europeia anunciavam que o pior já tinha passado, Varoufakis publicou um paper intitulado Crise grega, ano 6: Uma atualização. Logo no arranque acusava: “Os beneficiados foram os mais poderosos interesses financeiros (…). Estes submeteram as autoridades governamentais e estas foram decisivas na promoção de uma série de políticas que, em lugar de aliviar a situação, a agravaram ainda mais”. E depois de desfiar e rebater dados macroeconómicos fez questão de listar também os factos que não deveriam ser ignorados: “um milhão de famílias não conseguem pagar a totalidade dos recibos da eletricidade; os salários mínimos baixaram (por ordens da troika) entre 35% e 40%; dos 3,5 milhões de pessoas que constituem a força de trabalho na Grécia, 1,4 milhões estão sem emprego; dos 1,4 milhões sem trabalho só 10% recebem subsídio de desemprego; 34,6% da população vive em risco de exclusão social”. Um retrato cruel que nunca se cansou de denunciar e em relação ao qual só poderia haver uma solução possível: colocar um ponto final na austeridade e rasgar os programas de resgate definidos em Bruxelas, Washington e Frankfurt.
O grande provocador
E foi isso mesmo que passou a dizer, alto e bom som, após ter tomado posse a 27 de janeiro. Graças ao seu domínio da língua inglesa, converteu-se no verdadeiro porta–voz do Governo Tsipras, missão para a qual parece talhado por ser também um comunicador nato e experiente, incluindo nas redes sociais. Aliás, logo dia 29 voltou a demonstrar que, a ele, poucos o deixam em silêncio mesmo que o assunto em causa não lhe diga diretamente respeito. Motivo: criticar os media pela forma como anunciaram que a primeira medida de política externa de Atenas seria vetar o prolongamento das sanções europeias à Rússia. E “postou” no seu blog que tal notícia era absurda pelo simples facto de ninguém em Bruxelas ter pedido opinião ao seu colega responsável pela diplomacia, Nikos Kotzias. Mais, alguém se esqueceu de uma coisa básica chamada “respeito pela soberania nacional”. No entanto, o episódio mais controverso viria a ocorrer no dia seguinte, na capital grega, durante uma conferência de imprensa com Jeroen Dijsselbloem, ministro das Finanças da Holanda e presidente do Eurogrupo. Perante a surpresa do seu interlocutor, Varufakis anunciou que o Executivo de Atenas já não tinha mais “a intenção de trabalhar” com a troika por esta aplicar programas contrários “aos interesses da Europa”. Portanto, as políticas baseadas na “deflação e na dívida insustentável” tinham os dias contados porque a Grécia iria negociar com os seus pares um perdão da dívida e medidas que permitissem equilibrar as contas públicas, por a economia a crescer e criar emprego.
Como se não bastasse, no final do encontro, ambos terão trocado palavras e cumprimentos pouco amistosos devido ao comportamento provocador do grego – alguns analistas descreveram-no como “insolente”. Foi quanto bastou para toda a gente perceber que a posição negocial de Atenas nada tinha a ver com o passado.
Horas depois, o ministro das Finanças da Alemanha lançou o aviso: “É difícil sermos alvo de chantagem”. Ao mesmo tempo, os analistas do Barclays Bank advertiam para o “risco de uma saída da Grécia da zona euro ser já mais alto do que em 2012”, sublinhando o receio dos mercados sobre uma eventual moratória da dívida que é superior a 300 mil milhões de euros. Tudo isto enquanto se multiplicavam os rumores de que Atenas queria ver perdoada, pelo menos, metade da dívida, ao mesmo tempo que as bolsas se afundavam, os juros helénicos disparavam e a fuga de capitais na Grécia se agudizava. Aparentemente, espalhar o pânico e a incerteza faziam parte da estratégia de comunicação de Varoufakis desde o início das suas funções governativas. Especialista em teoria dos jogos, ele próprio tinha invocado essa possibilidade numa entrevista ao jornal catalão La Vanguardia, em novembro: “Num processo negocial, para seres levado a sério, tens de representar uma ameaça credível. Tens de estar disposto a que tudo salte pelos ares”.
Nem que seja para depois haver um recuo tático e se fazer a gestão dos danos. Neste caso, a suposta “linha dura” e postura radical do Governo Tsipras acabou por culminar numa carta do próprio primeiro-?-ministro grego à agência Bloomberg. Para garantir que o seu país iria respeitar os seus compromissos internacionais, de modo a tranquilizar os credores mais inquietos e os parceiros que o acusavam de ter “brincadeiras de criança”.
Heidi e o amigo americano
Por seu turno, Angela Merkel, a líder alemã, numa entrevista ao diário Hamburger Abendblatt, entrava neste jogo e insistia nas reformas a que os dirigentes gregos se tinham comprometido. Na prática, fazia de guardiã da austeridade e permitia que a acusassem de ser uma vez mais uma “fraulein Rottenmeier” – a personagem intransigente, severa e amargurada do romance infanto-juvenil Heidi, que viria a ser uma série televisiva de culto. Ao abordar o “problema grego”, a chanceler tinha em conta o facto de 79% dos alemães defenderem que Atenas tem de manter os acordos pelos quais recebeu cerca de 233 mil milhões de euros desde 2010. Nada que incomode Yanis Varoufakis. Numa prosa por si assinada no New York Times revelou que o seu Governo está disposto a abdicar dos sete mil milhões de euros que ainda deveria receber ao abrigo do programa de assistência que, oficialmente, só termina no final deste mês.
É neste ambiente de aparente caos e divisão que Alexis Tsipras e o seu ministro das Finanças decidem, logo durante o fim de semana, iniciar um périplo político-diplomático junto dos governos mais sensíveis ao drama helénico. Como é da praxe, o chefe do Governo visitou primeiro Chipre, antes de rumar a Roma, Paris e Bruxelas. Varoufakis fez um percurso idêntico, mas fez também um importante desvio até Londres, dia 2, para conversar no número 11 de Downing Street com George Osborne, o seu homólogo britânico. E foi na cidade do Tamisa que se ficou a saber que a Grécia já não está interessada num perdão da dívida. O Governo tem um plano – logo apelidado pelos media de Varoufakis – para que o reembolso da dívida se faça através de novos prazos que acarretem uma diminuição dos juros (ver texto O dilema de Atenas). Uma aposta de alto risco que deverá ainda ser alvo de muitas negociações até à cimeira europeia de 12 de fevereiro. Antes disso, Angela Merkel irá a Washington para se encontrar com Barack Obama. E o Presidente dos EUA não esconde a sua solidariedade para com Atenas: “Não se pode continuar a espremer um país que se afunda na depressão”, afirmou ele no início desta semana à CNN. Será que Berlim vai ceder? Como admitiu Varoufakis ao Channel 4 britânico, este será um “jogo contra o tempo” e não um “duelo à moda do velho oeste americano. (…) Somos talvez o governo que dispõe de menor margem de manobra desde a Segunda Guerra”…