A decisão foi justificada com a necessidade de produção de prova que sustente os indícios policiais sobre uma alegada rede de tráfico de órgãos humanos, da qual farão parte os cinco indivíduos entretanto detidos, segundo fonte judicial.
“A procuradoria entendeu que o processo está incompleto, porque tem falta de informações pertinentes que sustentem os indícios sobre assassínio e castração de órgãos genitais”, disse à Lusa um magistrado, que pediu anonimato.
Entre alguns dos documentos em falta consta as declarações dos familiares e certificados de óbitos das vítimas, o que coloca o processo “juridicamente nulo”, pelo facto de o indício não estar fundamentado, afirmou o magistrado.
Os cinco indivíduos que se supõe sejam elementos da rede de traficantes de órgãos humanos, em Mussorize, incluindo um famoso curandeiro da região, detidos na penitenciária agrícola de Chimoio, serão novamente recambiados para as celas do comando distrital da PRM, em Mussorize, segundo as ordens da procuradoria.
Os cinco são indiciados de terem aprisionado e matado a sangue frio quatro mulheres entre Dezembro de 2008 e Março de 2009, para extrair língua, esófago, clítoris e útero, órgãos que serão frequentemente usados na região para “fins obscuros”.
A última vítima foi morta no passado dia 16 de Março, no povoado de Mpengo, no posto administrativo de Dacata, norte de Mussorize.
Segundo informou a polícia, os suspeitos – naturais e residentes no distrito de Mussorize – tinham como vítimas preferenciais mulheres solteiras e que não tivessem mantido uma relação sexual nas últimas 48 horas.
O presidente da Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO) na província de Manica, Adelino Mutata, disse que são frequentes as acusações sobre envolvimento de médicos tradicionais na prática de extracção de órgãos genitais para a actividade tradicional.
“Alguns curandeiros na nossa região usam órgãos genitais para tratamentos tradicionais. Várias vezes alguns (curandeiros) foram acusados, mas em nenhum caso foi provado, porque não encontravam os tais órgãos genitais com eles”, disse Mutata.
Extracção de órgãos humanos para feitiçaria é prática “regular”
A morte de pessoas para lhes serem extraídos órgãos para feitiçaria é uma prática “regular” tanto em Moçambique como na África do Sul, indica um relatório recentemente divulgado nos dois países.
Diz o relatório da Liga dos Direitos Humanos (LDH) de Moçambique que partes de corpo humano “são traficadas frequentemente”e destinam-se a feiticeiros, porque “há uma forte crença na África do Sul e em Moçambique que algumas partes de corpo tornam os medicamentos tradicionais mais fortes e eficazes”.
O documento realça que “as políticas e os programas em vigor para combater o tráfico de partes do corpo são praticamente inexistentes”, tanto mais que não existe uma definição de tráfico de partes de corpo reconhecida a nível internacional.
Em Moçambique, diz o documento, não existe legislação sobre a matéria, pelo que se alguém for apanhado com partes de corpo humano sem que se consiga relacionar com um caso concreto a pessoa dificilmente será condenada.
O relatório foi feito no ano passado, com base em 139 entrevistas e 22 encontros em grupo, em parceria com a Childline South Africa (uma organização de defesa das crianças na África do Sul), mas conclui que é impossível dizer se houve um aumento ou diminuição de casos ou se o fenómeno está a acontecer em grande ou pequena escala.
Do trabalho de campo ficou concluído que em Moçambique são os órgãos sexuais masculinos os que mais são extraídos nas vítimas de tráfico, seguindo-se o coração, os órgãos genitais femininos, a cabeça, o fígado, a língua, os seios, as orelhas, os olhos, as mãos e as pernas.